"Corta". Ressou a palavra dita... Keith Loren

"Corta". Ressou a palavra dita pelo diretor, era a palavra final daquele momento. Eu não sei por quê... mas colegas de trabalho (vulgo atores) batiam suas mãos de forma leve em minhas costas, enquanto dizendo palavras de consolo. "Parabéns", "você foi ótimo". Eu não entendi. Agradeci de forma educada mesmo não sabendo o motivo. Eles estavam impressionados com a atuação que eu acabara de fazer, mas eu achei-a normal, obrigatória e responsável. Nada de mais.
Eu sai do set de gravação e comecei a andar pela cidadezinha que estávamos. Havia gente protestando. Nas conversas, nas rádios, nas TVs... em tudo. Era tudo por causa da cena que eu gravei. Ela nem tinha ido ao ar ainda e já existiam haters. A cena tinha sido noticiada na mídia antes mesmo de ser posta no papel. Então eu entendi.
Era por causa do beijo que eu tinha gravado.
Que eu tinha achado normal.
Obrigatória e responsável.
Nada de mais.
- O Brasil está virando homossexual! - Gritavam as pessoas no protesto inútil.
Eu acabei sendo abordado por algumas pessoas que estavam participando do movimento. Elas me conheciam. Estavam intrigadas com a maneira que eu estava calmo. Afinal... eu tinha gravado um beijo gay! Disseram-me como se fosse algo ruim, completamente errado.
- Você foi forçado? - Perguntou a mim uma mulher baixa.
- Nã-não.
- Olha o jeito que gagueja! Tadinho! Tenho certeza que foi.
As pessoas em minha volta foram crescendo. Era estranho. Nunca tive tantos fãs.
- Essa praga de homossexualismo tem que morrer! - Gritou um homem altíssimo atrás de mim. Eu levei um susto. Pessoas o acompanharam como se fosse um grito de guerra.
- Hãn... o jeitinho dele! Deve participar desse homossexualismo, gente. Cadê o inferno?
Eu fui empurrado. Minha cara encontrou o chão, minhas mãos se seguraram no meio-fio. Eu estava sangrando.
- Jesus está voltando!
- Estamos vivendo no inferno!!
- O homem foi feito para a mulher!
Estava nervoso. Estava quase chorando. Tenho certeza que seria por nervosismo. Aquelas pessoas tinham roubado minha fala. Eu não conseguia falar. Estava mudo. Minhas mãos tremiam, minhas mãos sangravam. Tentei levantar. Consegui depois de várias tentativas. A multidão ainda estava lá, mulheres e homens diziam coisas terríveis mas indecifráveis.
- Cal-al-ma, pessoal. Vocês acham que me empurr-an-do resolverá alg-u-m-m-a coisa? - Tentei dizer. Estava nervoso demais. Nem sabia se estava olhando para a direção correta. - Vocês são ridiculos. Ainda nem viram a cena do beijo e estão assim! Digam-me. Por que ser-i-i-a errada a homossexualidade? - Esperei respostas aceitáveis. Nenhuma surgiu.
- É porque o homem é feito pra mulher, sacas? E não pra um homem.
- É porque Deus criou o homem e a mulher...
- É errado. Tá na bíblia.
- O que minhas crianças vão pensar quando assistirem o beijo?
Várias pessoas concordavam com os argumentos falados. Incrível.
- Sabia que nem todo mundo é cristão? E se fossem, qual seria o problema? Deus não diz para aceitarmos todo mundo, apesar de suas diferenças? Ele não diz para amarmos os próximos? Que Deus é esse, tão contraditório? Nem todo mundo quer uma família. E se os homossexuais quisessem? Existem vários centros de adoções. O que sua criança vai pensar quando ver o beijo? Vai pensar que homens também podem beijar homens. Nada mais. Um homossexual nasce assim. Não será um beijo que fará seu filho virar gay. Não mesmo. Incrível que ninguém aqui está reclamando da putaria que vemos todos os dias nessa novela, não é mesmo? E sabe por que isso acontece? Porque é um casal hétero fazendo isso. Super normal. Super normal seu filhinho ou filhinha aprender aos 5 anos o que é sexo e como fazer. Mas aprender como o mundo está cheio de liberdade ele não pode, né? Parem de retardadisse! Eu tenho nojo de pessoas como vocês.
É claro que aquela fala não resolveu. Os argumentos retardados continuaram.
Continuaram.
E continuaram.
Continuaram tanto que, até hoje, me assombram.