Eu me perdi em algum “E viveram... Amanda Seguezzi
Eu me perdi em algum “E viveram felizes para sempre.” que estava escrito num daqueles folhetins de rua que a gente nunca lê. Talvez eu tenha me enrolado um pouco nas definições de amor colorindo o céu de vermelho apenas para me apaixonar pelo teu todo, sei lá.
Dizem que o amor de um escritor nunca morre, e mesmo morto dentro de tudo que eu sempre achei bonito, estais por aqui, estranho. Entre tantos que me arrancaram risos estrondosos, gargalhadas vergonhosas, apenas você rouba as minhas palavras e sucumbe tudo que há de bom em mim. Sinto-me mal por não ser o teu bem, me sinto mal por você ser o meu mal, mesmo que você nem saiba disso.
Sabe menino, eu escrevo sobre tudo o que já morreu aqui dentro.
Escrevo sobre as metáforas que crio para justificar minhas fugas rumo ao infinito. Inicio da maiúscula até o ponto final milhares de tracejados que combatam a memória ruim. Bordo em palavras sobre o dia que passou, sobre as chances que perdi. Você é a minha chance perdida, você ainda está vivo em algum canto aqui celebrando carnavais. Está aqui, talvez, navegando em uma das veias, controlando um bocado de nervos. Está aqui. Por isso ainda não merece um texto meu, pois eu ainda não te esqueci.
Entrelaçávamos os dedos, porém não os planos, e eu até esquecia os infortúnios no exato momento em que as costas da tua mão direita deslizavam pelo meu rosto. Disse que me amava, e eu não entendia como os teus olhos não eram tão mentirosos quanto a tua boca. Era uma exceção entre todas as exceções, a melhor consequência, a melhor coisa que nunca tive.
Você me amou apenas uma vez. Eu te amei apenas uma vez entre todas as vezes que nunca demonstrei, mas estavam ali, gritando por uma resposta urgente, aturdidas por ouvirem os teus ecos de reciprocidade num único momento de vontades vorazes.
Vou esquecer o outono enquanto te embalo nos meus pensamentos, não existe tempo seco quando o úmido da tua saliva desconecta os meus sentidos. Barganhava o meu zelo, movia-me de acordo com os seus acordos. Ele me desarmava com dois sorrisos e duas mordidas no pescoço.
Porque até o coração vende uma imagem errada de si, não é?
Continuo sentada no muro da existência verbalizando os meus anseios, como se traduzi-los em poemas fossem me fazer voltar num tempo que nem sei ao certo se quero voltar. Quem sabe isso tudo me convença de quê eu choro poesia só para não te perder pro esquecimento, ou apenas para não me perder nos meus próprios devaneios. Embriago-me de possibilidades, rodopio em um olhar que sempre achei que fosse meu. E morro a cada vez que concordo com a cabeça baixa, a cada vez que aperto a mão do destino, engolindo a seco as coisas que poderíamos ter sido – e não fomos.
Enlouqueço aos pouquinhos quando até o moinho de vento canta o teu nome.
Andando por essas ruas não tão familiares sem a tua presença, percebo que nem eu me familiarizo mais comigo. Acho que vai ser assim que vou marcar os teus hábitos na lua e te encontrar a cada eclipse. Eu poderia ter sido o teu sol se você não preferisse as noites estreladas.
Pelo menos alguma coisa sobrou da gente.
O nosso eclipse.
E eu nunca mais te encontrei.