Domingo O sol entra preguiçoso pelas... Karem Moraes

Domingo
O sol entra preguiçoso pelas frestas da cortina e eu já sei que logo, logo, ela acordará mal-humorada reclamando, da forma mais linda possível, que a claridade não a deixou dormir justamente no dia que foi feito pra descanso.

Além do sol, o vento uiva forte. Tão forte que por vezes penso que é algum deus perdido por aí sussurrando palavras inteligíveis e acariciando seus cabelos recém-cortados.

Eis que aquilo que penso se transforma em realidade. Ela vai despertando naquele pijama lilás de cachorrinho e essa é a imagem que eu quero contemplar todos os dias.

Gosto do Domingo porque é sinal de que terei tempo para admirá-la e sorrir quando vejo a eterna luta entre abrir os olhos ou tentar dormir mais. Finalmente, ela escolhe a primeira opção e nessa hora me faz crer que tenho sorte. Temos sorte.

Ela levanta e eu percebo os fios de cabelo castanho espalhados pela cama, testemunhas da nossa noite anterior. Ela pode até não imaginar, mas desperta em mim sentimentos tão fortes que eu nem sabia que existia. Tem o poder de voltar à infância comigo e dizer que acha as minhas rugas de um homem que beira os 30, umas “coisinhas lindas”. Sorrimos de nós mesmos e comentamos o quanto somos meio retardados quando estamos juntos.

No domingo, o mundo poderia parar só para que eu pudesse tê-la o tempo que eu quisesse, porque nunca, pra nós dois, é bastante o suficiente.
Sinto essa vontade sobre- humana de protegê-la do mundo. Quando digo isso, ela revira os olhos, mas sei que no fundo, mesmo com meus inúmeros defeitos, sabe que tem em mim um porto seguro.

Como diria o Leoni na música Melhor pra Mim, “as horas disparam só porque eu encontrei você...” E logo, é a hora de mais uma vez nos despedirmos. Ao mesmo tempo em que adoro o domingo, lembro que ele representa quase sempre a nossa despedida momentânea. Mas não importa. Ela me dá a injeção de ânimo que preciso para passar o restante da semana, e isso basta.

A minha impaciência é medida pelo número de vezes em que abro a carteira que ela me deu no primeiro natal que passamos juntos, e olho o seu rostinho congelado naquela 3 x4 que trocamos. E eu fico na espera até que o próximo domingo chegue. Melhor ciclo vicioso não há.

Karem Moraes