“Aqui jaz o que parecia ser e nunca... Amanda Seguezzi
“Aqui jaz o que parecia ser e nunca foi.
Dos piores passatempos do mundo descobri que olhar pela mesma janela todos os dias envelhecia-me vinte ou trinta anos. Era basicamente como todos os outros dias, entende? Acordar pela manhã, passar o café amargo, ler Bukowski, empacotar lembranças e sentar numa cadeira de balanço. Todos os dias. A mesma xícara sobre a mesa de mármore que há anos ilustrava o cômodo da casa. Perdia-me numa fase ao qual não possuía muito que se perder. As horas pareciam rasgadas ao meio e a cada tique-taque do relógio de parede, um grito de tempo perdido inundava a sala. Deduzi então que o arco-íris ficava lá fora por não saber lidar com a tristeza que alagava os hiatos dos meus pensamentos. Transcrevia então sonhos para o papel e nunca os vivia. Dotava que recordações asperamente jogadas nos cantos da aparência, esquecidas nos becos da saudade e nos lapsos de realidade, o azar agregava-se como um ombro amigo. Não sentia a vibração da alma, tampouco a sensação de liberdade multicolorida que a submergia. Vivia então num paraíso bordado em preto e branco, tal qual dos instintos mais puros, a percepção de espírito livre há muito não me arrepiava. E era isso, eu era um fantoche do passado e de certa forma o que eu já conhecia sempre me encantou, não que fosse encanto, mas o conhecido é sempre mais confortável e palpável, o que não entendemos com clareza vai além do intuito de medo.Medo do inesperado, do que parece certo, medo de não se livrar dos grilhões de um período que ainda habita no presente. Eu era um prisioneiro do tempo e nessa ida e vinda de apreensão a estímulos imediatos a coragem retraia-se até findar. O sentimento de bravura sentia-se num prato fundo de escassez e valentia. Meia-vida representara o rompimento dos valores que antes me moviam, nada estava no devido lugar. Incógnitas nunca entrariam no paraíso e, consequentemente, eu não pisaria nas nuvens dos céus. E isso não me importava, de alguma forma. Hipnotizado, não permiti sentir os pedaços de caco de vidro espalhados ao chão. Minha falha fora pensar que só o teu semblante me sustentaria e que o caminho ainda não percorrido equivaleria às lacunas ainda não preenchidas, as que eu desconhecia, contudo, sabia que as encontraria num ser perfeito. Podias ter sido esse ser, amor. Sou refém da minha memória e de tudo que ainda não vivi, porque mesmo que os anos passem eu ainda vou lembrar a cor do teu vestido, e isso era para me fazer bem. Era. As lembranças que nos cercam podem ser classificadas como containers nas prateleiras da memória e os teus milhares de trejeitos espremessem nas quatro paredes de aço como o que não pode ser contido. É como eu te falei um dia em alguma conversa à toa, me encanta tudo aquilo que não compreendo, que escapa pelos meus dedos. Nós gostávamos dos mesmos contos de Edgar Allan Poe. Nada que surpreendesse muito, a tragédia virava doce quando mastigada por tua voz, e as tragédias de hoje preenchiam minha brechas. Sutura. Eu caçava o pretérito pelas vielas de lugar algum todos os dias e não te encontrava. Tinha esperança em colidir os últimos capítulos da nossa história e até esbarrar com tua presença em formas irregulares no vento, uma vez que não precisava ser sólido para que eu te sentisse.
E morreu, sabe.
Vivíamos ansiando o fim, sendo assim concluí que o desencontro nos pesava as costas e as situações que nos prendiam não passavam de um breve elogio fúnebre. E nas artimanhas na rotina colateral uma voz me dizia que epitáfio também é arte."
- E eu escrevo até hoje
só pra te encontrar.