Chuva de domingo Chegou a chuva... Cheia... Naty Parreiras

Chuva de domingo
Chegou a chuva...
Cheia de charme,
Chamando, chama queimando,
Soando o alarme.

Sh!
Sh!
Cala-te chuva grosseira!
Teu charme apagou a chama por inteira.
Sh!
Sh!
Chama, me chama,
Inflama, me ama,
Me tira da lama,
Da poça de lama,
Dessa chuva de cama,
Insana, fagueira.

Me inunda profunda,
As gotas imundas,
Tempestade de nunca,
Nunca molhar-se,
Mesmo sendo a face,
Do que molha minha nuca.

Sh!
Sh!
Cheiro de choro,
Chão feito de choques.
Tens o toque de ouro,
Mas teu não é de morte.

Cabisbaixos os pingos dela,
Molham-me dentro e minha janela.
Me abrigo em meu desleixo,
Mas ela vem quando não deixo,
Tentar-me em meu leito de donzela.

Céu sísmico nos meus pés,
Nuvem só de vento triste,
O tempo nublado esconde o que és,
Em meus olhos a chuva persiste.

ShShShShShShShShShShSh!
A chuva lá fora não caí tanto,
Quanto os pingos brandos do meu pranto,
Pelos cantos,
Pelos cantos.

As gotas que escorrem pelas veias,
Pingam-me no rosto salgadas de areia.
Ó céu clareia,
Clareia!

ShShShShShShShShShShSh!
De cada pingo um dia me vingo.
Chuva que molha um céu só,
Faça ela o que faça o sol,
Vai te inundar noutro domingo.

Sh!
Chuva não chora,
Chuva não chega,
Chuva vai embora,
Chuva chove lá fora,
Chuva, chega!
Sh!
Silêncio para o sol para o sol sorrir.
Sh!
Salva-me da saudade de ti!

Me acolhe na tua aldeia,
Sem eira nem beira,
Me molha, me olha, me odeia,
Mas que venha a Segunda-feira.

Basta deste domingo,
Choramingos,
Chovem os pingos,
A noite inteira.

ShShShShShShSh...
...
A chuva se foi de meu céu revolto,
Para pingar sobre este papel de poema marcado,
Inundou este e afogou muitos outros,
Mas agora não é mais do que passado.

Mas espere!
Tempestade nunca vem só de um lado.
A chuva molha,
E se não me olhas,
É porque também tens o olhar marejado.