Eu não deveria tê-lo deixado... http:verbalizada.tumblr.com

Eu não deveria tê-lo deixado torturar-me tão docilmente, embebedar-me com doses de decadência e afogar-me em sonhos pesados e profundos; agora não consigo mais acordar. Essas correntes que me aprisionam a você e a vida que cultivamos têm de serem partidas, quebradas, estraçalhadas sem dó ou piedade. Mas cadê meu martelo, minha coragem, minha ousadia? Cadê eu? Estou precisando urgentemente de alguém para me salvar do nada que me tornei, das páginas da história que escrevi e das consequências que, infelizmente, não pude prever. Cansei de esperar pela chuva que não cai, pelo sol que se esconde atrás das nuvens e pelas nuvens que se desfazem antes do dia terminar. Cansei do repertório de músicas penosas que não paro de ouvir, das minhas insanas palavras e do entorpecimento mortal que vive em mim. Eu não deveria deixá-lo encher o quarto com espelhos, conquistar-me desse jeito tão certeiro, fazer-me sentir, ao mesmo tempo, como se fosse mil e nenhuma e alimentar-me tão somente de metades. Não me sinto mais inteira, amor; e quer angústia maior do que essa? Acalentei meu próprio coração, afaguei as mãos nos meus cabelos e, através dos reflexos, fitei meus olhos negros, a pele branca, as pernas, braços, mãos, rosto, tronco. Agora confesso-lhe: apesar de ter me enxergado não consegui me ver, porque não sou pessoa, sou além. E como além, contemplei no silêncio da solidão umas lágrimas aprisionadas, uma gargalhada louca para ser libertada e uma alma ansiosa para dar à gargalhada motivos para tal. Eu não deveria tê-lo permitido roubar minha felicidade enquanto eu dormia, arrancar meus sonhos como se não fossem preciosos e apagar a luz que emana esse meu ser frágil. Sei disso, e não é tarde demais. Portanto, se não houver machado, pistola ou espada, tudo bem; hei de destruir esses laços com meus próprios dedos e a força que restou, e então tornar-me meu sol.