Diário de um Defunto Meu coração... Márcia Bueno
Diário de um Defunto
Meu coração parou de bater, o cérebro não recebeu mais sangue. Após 10 segundos cessou toda minha atividade cerebral. Clinicamente já era considerada morta.
A pele ficou acinzentada e rígida, os músculos relaxaram, por causa disso eu não tinha mais controle sobre o esfíncter, a bexiga e os intestinos se esvaziaram. Minha temperatura caiu drasticamente, e continuaria a cair 0,83°C a cada hora. O fígado, por ser o órgão que se mantém quente por mais tempo, seria usado para determinar a hora do óbito.
Após 30 minutos minha pele começou a ficar púrpura e com aspecto de cera. Como a circulação sanguínea cessara, meus lábios e minhas unhas empalideceram pela falta de sangue. Pelo mesmo motivo, nas partes baixas do corpo o sangue ficou parado, formando manchas de cor púrpura escura: a lividez. Minhas mãos e pés ficaram azulados.
Meus olhos começaram a afundar para o dentro do crânio.
Faz 4 horas que morri. Ainda não fui encontrada. Com a minha morte ocorreram modificações na constituição química do meu tecido muscular. Então meus membros endureceram. Agora é impossível que alguém consiga me movimentar. O rigor mortis começou a esticar meus músculos, isso durará pelo menos 24 horas, depois o corpo voltará a seu estado relaxado.
Após 24 horas do meu falecimento meu corpo adquiriu a temperatura do ambiente que o rodeia. Uma cor verde-azulada tomou conta da minha cabeça e do meu pescoço e a mesma cor começa a estender-se por todo meu corpo.
Tem início, neste momento um cheiro forte de carne podre. Minhas feições estão totalmente transformadas, nem mesmo eu me reconheço. Não é algo agradável de se ver. Queria tanto que alguém me achasse…
Três dias se passaram. Os gases dos tecidos corporais, oxigênio e carbônico, formam bolhas debaixo da pele e meu corpo começa a inchar e crescer de forma ridícula, disforme. E eu que pensava que isso só acontecia com os mortos por afogamento. Estou me sentindo um teto cheio de goteira, por todos os orifícios pingam fluídos corporais.
Começo a me conformar com a idéia de que meu corpo irá se decompor aqui mesmo, a céu aberto, comigo assistindo. E depois, para onde irei?
Agora que já se passaram três semanas, já me acostumei com o aspecto grotesco do meu corpo, nem o sinto mais como meu. A aparência de cadáver não serve como espelho. A pele, os cabelos e as unhas estão tão soltas que saem facilmente. Por causa da pressão dos gases internos, a pele está se rachando.
Estou me decompondo e assim continuarei, até que restem somente os ossos. Como o esmalte dental é a substância mais dura do corpo humano, logo só ficarão os dentes. Estou esperando “a passagem”, mas nada de anormal me aconteceu, tirando o fato de estar morta e velando meu próprio corpo.
Acho que me tornei uma alma penada. Será que têm outras? Vou ter que procurar por aí. E eu que achava que depois que morresse ia ser tudo mais fácil…