Promessa quebrada Eu tinha prometido a... Idenir Ramos
Promessa quebrada
Eu tinha prometido a mim mesmo que iria parar de procurar respostas para enigmas absurdos. Paradoxo de Zenão, aposta de Pascal, teoria da evolução, psicanálise freudiana, enfim eu não agüentava mais tantas questões fervilhando na minha cabeça. Entretanto cada dia que passava meu cérebro queria descobrir mais e mais coisas e assim eu me sentia cansado demais, às vezes até deprimido. Eu era metafísico demais, ontológico demais, tudo tinha que ter um porque, tudo precisava ser investigado e decifrado. Até que um belo dia resolvi de uma vez por todas não me incomodar mais com nada. Eu me tornaria apático, indolente, indiferente. Não iria mais consultar o dicionário cada vez que ouvisse uma palavra desconhecida, não iria sair correndo para a internet ou para a enciclopédia cada vez que me deparasse com uma nova idéia filosófica ou cientifica. Não iria mais fazer palavras cruzadas nem assistir a filmes cults. Nada, absolutamente nada, me faria mudar de idéia. Mesmo que descobrissem vida fora da terra eu me limitaria a dizer um simples: - hum bom pra eles. Não investigaria nenhum assunto nem a fundo nem superficialmente. Depois que tomei essa resolução e os dias foram passando comecei a me sentir melhor. Era muito boa a sensação de não ter noticia nenhuma do mundo. Sentia-me como Robinson Crusoé na sua ilha deserta, porém sem a preocupação de fazer fortuna e voltar para casa. Contudo, numa insossa tarde de terça feira um documentário na televisão me tiraria daquela resignação. O documentário era inverossímil e escandalosamente sensacionalista. Começava falando de fantasmas e criaturas bizarras e terminava falando do “Monstro do lago Ness” e nesse momento fui obrigado a abdicar da minha ataraxia. Era óbvio que algum maluco de mente delirante tinha visto um peixe qualquer e fantasiado o resto da história. A mente enxerga o que ela quer enxergar. É assim com os vultos, com os ruídos estranhos e com muitas coisas. As primeiras civilizações já tinham criado um vasto catálogo de animais fantásticos, de criaturas que desafiavam a lógica e esses produtos supersticiosos obviamente não acabariam no homem moderno, contemporâneo. Seres irreais existirão sempre, pelo menos até o ultimo dia de vida do homem nesse mundo misterioso. O estranho é que essas pessoas além de acreditarem em tais criaturas ainda tentam encontrar argumentos e até falsificam provas para embasarem seus delírios. Elas não se contentam com a ficção de Lovecraft, é preciso mais, é preciso transformar a superfície em um lugar maravilhoso. O homem não aceita o tédio e a mesmice, é mórbido demais para ele – a realidade quando muito árida pode levar o homem ao abismo e dali ao suicídio. Por isso o homem cria literatura, passatempos, enigmas. É preciso revestir a matéria de sonhos para que um lago não simbolize apenas um lago e um peixe não traduza outro peixe, mas um monstro, uma criatura de outro mundo com tentáculos horripilantes e pele inexplicavelmente verde esmeralda. Aqui eu parei de divagar lembrei-me da promessa, guardei a imagem do Mostro do lago Ness na memória e disse: Provavelmente ele existe, sim existe, sem dúvida ele existe, foi então que passei a mão em uma cadeira, com fúria, e a lancei sobre a televisão e em poucos instantes um terrível incêndio começou. Mais tarde minha casa se tornaria cinzas e dali alguém ainda veria uma fênix surgir. Uma não uma revoada porque segundo essa pessoa as fênix andam sempre em bando.