Fome de viver Tenho insaciável fome de... Renata Moreira
Fome de viver
Tenho insaciável fome de vida! E é tanta; tanta fome, que em alguns momentos há o receio de que o tempo que me espera – quanto, só Deus sabe – por mais extenso que seja; não consiga amenizar nem metade das sensações que essa avidez me causa; tanto mais na alma que no estômago. Receio justificado, não por qualquer tipo de pessimismo, mas muito mais pela qualidade do apetite. Pois que é o tipo de fome que de se alimentar só se aumenta. Porque quero muito, quase que tudo e quero muito mais.
Quero nutrir-me muito mais de tudo o que sustentou decididamente meu corpo e espírito até aqui. Quero mais do pão e do vinho. Quero a insuperável energia advinda do alimento espiritual, e neste; o apreciar do paladar divino. Quero mais ternuras de algodão-doce e travessuras de pé de moleque; pipoca, sorvete e todas aquelas delícias com encanto e sabor de infância. Quero degustar um tanto mais do tempero apurado na presença da minha família e do agrado prazeroso que de cada um deles emana; daqueles só possíveis de serem saboreados em “casa de mãe”. Quero quilos e quilos de sal (e também açúcar, pimenta, água e fogo) com o meu amor, diluídos em doses contínuas de cumplicidade, lealdade e respeito. Quero estoques intermináveis da voz macia, dos sorrisos doces, dos abraços quentes, dos beijos suaves, dos olhares inocentes e tudo mais que vem da minha filha, que me faz experimentar sempre o melhor do céu, da terra e do mel. Quero mais do gosto dos encontros compartilhados, dos olhares afetuosos, das aproximações despretensiosas, dos risos fáceis, dos choros compreendidos, das diferenças respeitadas e dos sentimentos sinceramente correspondidos.
Meu apetite voraz não para por aí. Cobiço encontrar naquilo que já provei os condimentos que, na época, não identifiquei. Tenho desejo de reconciliação, redescoberta e recriação das iguarias já degustadas. Sabe aquele tipo de comida (re)inventada, simples e ao mesmo tempo requintada, tanto na aparência quanto no sabor? Pois é, tenho fome desta também.
Meu desejo guloso manifesta sensações de sede. Tem ânsia de mundo, disposição ávida de futuro, de descobertas, de estreias, de surpresas, de novas e tantas outras formas possíveis de me fazer ser e existir. Minha fome é, por demais, sedenta. Sedenta de literatura, livro, poesia, palavra e poema. Quer alimentar-se, mas jamais por completo saciar-se, de sabedoria, de sustento e de vitaminada flexibilidade. Meu apetite apetece se deliciar com a leveza de boas músicas, agradáveis filmes e admiráveis imagens. Tenho desejo imenso de muito trabalho; com o outro – concomitantemente convidado de honra, anfitrião e chefe renomado – partilhar da mesa saborosa de emancipação e farta de potencialidades.
Tenho desmedida fome de vida, de paz, amor e felicidade. De tudo o que me alimenta, nutre e hidrata. Como, como; bebo, bebo e, de querer, não me farto. Mas sabe o que é melhor? Embora eu esteja ganhando quilos com tanta ambição, nenhuma grama tem peso de gordura. Acredite! Nadica de nada. Pois o ganho que tenho – e que consigo aos poucos ir acumulando – no corpo, na alma e no coração é outro. São quilos obesos de expectativas e tentativas de bem viver, muito amar, e tanto mais ainda degustar o bom que há em tudo, até a última gota. Desconfio que seja salutar e que não mata.