E EMBOSCADA DO MAL II Como reagir diante... Renan Peres Ferro

E EMBOSCADA DO MAL II

Como reagir diante de uma traição? Ou como desviar-se de pessoas traidoras? Esse era seu maior problema: ter um bom coração. Não que ele considerasse isso um defeito, mas porque essa característica que possuía sempre lhe trazia certo prejuízo.
Certa vez ele descobriu que seu melhor amigo planejava incessantemente lhe dar um golpe e, portanto, tomar posse de toda sua riqueza, citar por inúmeras vezes o seu nome em rituais satânicos e, inclusive ficar sua amável esposa.
Ela era um exemplo a ser seguido pelas mulheres. Era incrivelmente desejável e de personalidade bem estruturada. Era educada e sempre recebia com carinho os amigos de seu marido. Este, em especial, era o que ela preferia, assim como seu marido. Tratava-o com afeto e, por vezes, eles divertiam-se enquanto conversavam com certa intimidade. Percebia os ciúmes que o amigo sentia da esposa, mas notava também a confiança que pulsava dentro dele. Admirava seu amigo por conseguir conciliar o estresse dos negócios com a vida de casado de forma a trata-la como uma verdadeira rainha. Admirava-o também pela confiança que o amigo transmitia-lhe diante da esposa; sobretudo, sentia certa pena dele porque com cautela estruturava um engenhoso plano que futuramente o prejudicaria muito.
O gerente do banco sempre fora incrédulo quando o assunto era religião, mas após acordar de um pesadelo mudou sua opinião. No sonho a cigana que estava sempre na porta da agência bancária em que era gerente dizia-lhe que seu futuro era incerto, pois aquele a quem ele considerava seu melhor amigo arquitetava um plano para arruinar sua vida profissional e pessoal. Disse-lhe que este amigo o trairia e que ele deveria permanecer atento e informado quanto a religiosidade do mesmo. Após despertar, pegou seu laptop e deu início ao que seria uma longa sequência de pesquisas sobre o espiritismo.
Ele jamais tomava uma decisão sem o consentimento de sua mulher. Além de esposa, ela era também sua conselheira. Ela havia se preocupado com ele na noite em que acordou assustado e foi para o escritório, cerca de três dias depois ele decidiu conta-la sobre o acontecido. Como consequência disso ela havia feito uma tentativa de tranquilizar o marido, mas pela primeira vez não obteve sucesso. Ela lhe disse que ele deveria confiar no amigo, pois este não havia lhe prejudicado em nada e também era bastante prestativo quanto às suas necessidades. O resultado dessa conversa com a esposa foi uma grande desconfiança que surgiu.
Desde a revelação da cigana, ele vinha sofrendo com outros pesadelos nos quais líderes religiosos lhe diziam ter tido uma revelação na qual um amigo armava um golpe para prejudica-lo, noutros ele via-se diante de cartomantes que diziam ver nas cartas uma grande decepção em todas as áreas de sua vida e, inclusive uma interrupção da mesma com características trágicas. Ele vinha sofrendo inclusive com crises de pânico, além de ter algumas visões.
Outro dia enquanto voltava da academia ele viu o amigo saindo de um templo espírita. Imediatamente sentiu ser tomado por uma repulsa que lhe deixava o sangue fervilhando. Parou o carro, e anotou todas as informações acerca do local. Visitaria aquele templo no próximo sábado. Era o dia em que tinha uma viagem marcada junto ao seu amigo. Este havia lhe apresentado um atestado médico de sua mãe e justificou sua ausência à viagem dizendo que teria que acompanha-la ao hospital. O gerente estava desconfiado e, em uma atitude não pensada, parou em uma loja que comercializava produtos religiosos e comprou várias cruzes e uma imagem da santa padroeira de seu estado.
Sua esposa, apesar de jamais tê-lo decepcionado e sempre ter sido sincera para com ele, agora parecia esconder uma importante informação do marido. Seu diário, que antes ela considerava um objeto inútil em sua vida, tornara-se um companheiro inseparável. A chave do mesmo, que antes ficava junto ao cadeado, agora perdurava escondida. Aquele que antes era supérfluo, agora lhe fazia falta. Ele estava curioso quanto ao seu conteúdo, mas detestava a ideia de trair a confiança de sua esposa.
Novamente vinha à tona a maior repugnância que portava de si; o coração que era mole, ele almejava endurecer. E assim foi paralisado por uma visão. Eram dois casais, cada um com sua decepção e ambos de traição: com o primeiro casal, a esposa que desconfiava e ao indagar seu marido este havia lhe jurado ser inocente e completamente fiel – ele mentia; com o segundo casal, o marido havia sido noticiado que sua esposa fazia programa em sua casa enquanto ele trabalhava, ele também a perguntara se era verdade – esta também mentiu.
Após a visão ele resolveu descansar. Teve um sonho no qual um senhor que estava assentando em um banco de praça e conversava sozinho, olhou para ele e lhe disse que aqueles que mentiram na visão que ele tivera eram os falsos profetas. Disse também que ele convivia com um e deveria se alertar.
O caminho até a agência bancária que sempre fora tranquilo, agora era atormentado por várias pessoas que gritavam o seu nome e corriam até as laterais de seu carro e batiam nos vidros. Essas pessoas riam dele e algumas diziam barbaridades acerca de sua esposa. Ele ouvia o telefone tocar enquanto o aparelho permanecia desligado. Sentia freadas bruscas enquanto seu carro estava parado em um semáforo. Parava em faixas de pedestres, pois via pessoas para atravessar, enquanto na realidade não existia ninguém.
Nesta noite ele teve um pesadelo na qual sua esposa estava grávida e em trabalho de parto. Ao dar a luz, nascia uma enorme cobra, que em poucos segundos o devorava por inteiro. Em seguida ele via a cobra e sua esposa sendo devoradas por um grupo de canibais que gargalhavam enquanto comiam.
No dia seguinte sua esposa se despiu no corredor e insistiu para que eles fizessem amor. Após aquele momento, ele teve oura visão na qual era açoitado por vários homens possuídos pelo demônio; já a beira da morte, ele via sua mulher segurando uma foice pontiaguda dizendo que o amava e, após a declaração, ela o decapitou.
A vida para ele perdia o sentido a cada instante. As tormentas e perseguições que o atingiam fizeram-no lembrar de que já era sábado. Sua esposa havia saído para malhar. Seu amigo estava com a mãe no hospital. Então ele levantou-se da cama, vestiu uma roupa leve, porém elegante e seguiu para o templo espírita.
Ele havia se preparado para mais uma sessão do filme de terror que vivenciava cada vez que assumia o volante. Contudo, não foi perturbado por nenhuma pessoa ou risada. Não ouviu as buzinas impacientes quando parava nas faixas de pedestres. Não sentiu nenhuma freada brusca.
Dando-se conta da normalidade que vinha sendo aquela manhã, estacionou seu carro a um quarteirão do templo. Caminhou até a fachada do prédio. Suas mãos e pés começaram a suar, sua camisa estava colando em seu tórax molhado. Seu coração disparava de uma maneira que nunca havia sentido. Suas pernas bambearam. Por trás da porta de vidro do templo, uma jovem se aproximava dele. Ela abriu a porta e o sensor de movimentos do local disparou. Ela o tocou.