Gritando nas janelas, batendo nas... Michelle Wundervald

Gritando nas janelas, batendo nas portas, tirando você da
sua reunião: o que você fez com o amor? Esse dinheiro
todo, essa responsabilidade toda, esses milhões todos, essas
pessoas todas que você quer que te achem um homem. E
o amor, o que você fez com ele? Enfiou no cu? Colocou na
máquina de picar papel? Reaproveitou a folha pra escrever
atrás? Reciclou? Remarcou pra daqui dois anos? Cancelou?
Reagendou o amor? Demitiu o amor? É o amor que vai fazer
você ser isso tudo e não isso tudo que você usa pra dar essas
desculpas pro amor. Porque quando eu sentei no cantinho da
cama e você leu seu livro de poesias de quando era criança.
Porque quando você ficou nervoso porque queria me dizer
que naquele minuto não estava me amando porque você
acha que amor é isso além do que você pode. Amor é só o
que você já estava podendo. O que você fez com esse pouco
que virou nada? Com o muito que poderia virar? Eu aleijada,
engessada, roxa, estropiada, quebrada, estou na porta,
esperando você, por favor, me ensina, o que fazer, vou fazer o
mesmo com o meu. Vou mandar junto com o seu. Nosso amor
pro inferno, longe, explodido, nada. E a gente almoçando
em paz falando sobre o tempo e as pessoas escrotas e o
filme da semana. Bela merda isso tudo, bela merda você,
bela merda eu, bela merda todos os sobreviventes que
riem e fazem suas coisas e almoçam e falam de filmes. E por
dentro o buraco gigante preenchido por antidepressivos,
ansiolíticos, calmantes, cervejas, maconhas, viagens e mais
reuniões. Pra onde foi o amor? De pé seguimos pra nunca
saber, pra nunca responder, pra nunca entender. Pra onde?
Você lendo o texto mais lindo da minha vida sobre o último
dia morando com seus pais, você achando as moedinhas
que escondia no jardim quando você era criança,
você me contando isso tudo baixinho e eu sentindo tantas
milhares de coisas lindas, você falando da merda boiando
e a dor dos seus fins de amor, você dormindo com seus
cachinhos virados para o meu nariz, você fazendo a piada
dos ombrinhos mais altos e
mais baixos pra tirar sarro dos
homens artistas e burocráticos, você por um mês e tanto
amor. Todos os cheiros de todos os seus cantos. E agora
eu louca porque não se pode sentir, porque senti sozinha,
porque não se pode sentir em tão pouco tempo. Que tempo
é esse quando o amor se apresenta tão mais forte e sábio
que as regras de proteção? Quem quer pensar em acento
flutuante quando se está voando? Quem quer pensar em
pouso de emergência quando se está chegando em outro
mundo melhor? E agora nada e você nada e tudo nada. O
amor no planeta das canetas Bic que somem. O amor mais
um como se pudesse ser mais um. O amor da vida de um
mês. Você com medo de ser mais um e você único e tanto
amor e tão pouco tempo. O que você fez com ele para eu
nunca fazer igual? Eu prefiro ser quem te espera na porta
pra entender. Eu prefiro ser quem te espera na outra linha
pra entender. Eu prefiro ser a louca do jardim enquanto o
mundo ri e faz suas coisas. Do que ser quem se tranca nessas
salas infinitas suas pra nunca entender ou fazer que não
sente ou não poder sentir ou ser sem tempo de sentir ou ser
esquecido e finalmente não ser.