É triste porque, em pequenos lapsos de... Iolanda Valentim
É triste porque, em pequenos lapsos de memória, penso em te mandar uma mensagem. Na verdade, penso que a gente está bem, como éramos. Quero só fazer alguma piadinha sobre estar comendo na pizzaria que a gente via baratas. Calabresa com baratas é o meu sabor preferido, e o seu? Acho que acabei de ver um rato passar. Esse lugar nunca perde o luxo, heim? Ou somente avisar que o filme que você gosta está passando na TV. E se não colocar no canal agora você perde a Megan Fox naquela pose escrota em cima da moto. Escrevo alguma bobagem dessas e coloco seu número. Quase aperto em enviar, até perceber que estamos longe demais pra fazer isso. Mesmo que sua casa seja à vinte minutos de distância. Não é sobre essa distância. Até porque, você quase morou aqui nos fins de semana ou em dias que você não tinha nada pra fazer em casa. “Tô indo aí”, você mandava por mensagem, já salva nos rascunhos. Só apertava e enviava. E eu só te esperava, como sempre. E me sentia em casa com você. Mesmo estando perdida e desesperada, numa rua qualquer no outro lado da cidade. Era só olhar pro lado pra me sentir aliviada e segura. Em casa. Sentia que poderia tudo com você. Você era a minha pessoa no mundo. E hoje. O que é hoje? É a lembrança perdida. É o número que eu acidentalmente digito por rotina. É o que foi pra mim, e não o que é. É um silêncio. Um pequeno e desconfortável silêncio antes de eu me recompor e responder os que me perguntam onde você está. “Está bem, eu acho. Não nos falamos tanto…”. “Mas vocês eram tão…”. Sorrio timidamente. Éramos, éramos, éramos. Eu odeio essa conjugação. “É a vida, né?”. É a vida, mesmo? Não é a vida. É errado e estranho. Mas a gente consegue seguir em frente. Sempre envio a mensagem que queria te enviar pra outra pessoa. Ou dez. Não me faltam pessoas, eu penso. Só falta a pessoa que você queria mandar essa mensagem, meu subconsciente retruca. Mas os outros também vão achar engraçado e também gostam do filme, então tanto faz. Mas não vão dar a sua risada de urso lendo a mensagem. Nem fazer um comentário irônico e sexual na resposta. Mas tanto faz. Tanto faz. Foi só um lapso de memória. A saudade só me inunda nos meus pequenos lapsos de memória.