Sempre arrumava o armário quando ficava... Iolanda Valentim
Sempre arrumava o armário quando ficava frustrada. Ou, simplificando, tirava todas as roupas e as colocava de novo pra dentro. Sentia quase um falso dever cumprido em pensar que estava fazendo algo. Mas não fazia nada. Não mudava nada. As roupas nem tinham organização. Cor, tipo, uso, estação. Nada. Era uma completa bagunça, a vida e o guarda-roupa dela. Lotados de coisas que nem servem mais, nem se usam mais, histórias mal terminadas, empurradas com a barriga, relacionamentos com prazo de validade já vencidos e blusas horrorosas. Por mais velha e rasgada que a blusa estivesse, não tinha coragem de tirá-la de lá. Por mais sufocante que uma relação estivesse, também não conseguia se desligar. Talvez pela lembrança do que foi um dia. Uma linda blusa, um lindo amor. Ambos desgastados, surrados, inutilizáveis. Só acumulando espaço. Por mais cafona que a calça fosse, sempre tinha esperança de que talvez, sei lá, ela voltasse a ser bonita aos seus olhos. E que talvez, sei lá, as coisas poderiam mudar. Pessoas poderiam mudar. Seguir em frente não era uma opção. Odiava partidas, até dos seus shorts. Guardava tudo e não permitia que nada saísse da sua vida. Acabava presa no passado, tentando consertar amores, remendar amizades, incapaz de desatar os nós, com o guarda-roupa lotado e a vida estancada. Chanel disse uma vez que o menos é mais. Levo isso pra vida. Menos é mais, garota. Anota. Tirar coisas e deixar pessoas irem embora da sua vida talvez seja o menos que é mais na sua vida.