Sei que tem alguma coisa fora do lugar... Michelle Wundervald

Sei que tem alguma coisa fora do lugar em mim. Eu sou uma soma de todos os erros: bebo, sou preguiçosa, não tienho um deus, idéias, ideais, nem me preocupo com política. Eu estou ancorada no nada, uma espécie de não-ser. E aceito isso. Eu estou longe de ser uma pessoa interessante. Não quero ser uma pessoa interessante, dá muito trabalho. Eu queria mesmo um espaço sossegado e obscuro pra viver a minha solidão. Por outro lado, de porre, eu abria o berreiro, pirava, queria tudo e não conseguia nada. Um tipo de comportamento não se casava com o outro. Pouco me importo.
Quando ando no meio de outras pessoas não me sinto bem. O que elas falam e o intusiasmo que demonstram nada têm a ver comigo. O mais curioso é que justamente quando estou na companhia delas é que me sinto mais forte. Me vem a idéia seguinte: se podem existir só com esses fragmentos de coisas, então eu também posso. Mas é quando estou sozinha e todas as comparações se reduzem a mim mesma contra a história, contra o meu fim, contra as paredes, contra a minha própria respiração, que começam a ocorrer coisas estranhas. Sou uma garota evidentemente fraca. Experimentei ler a bíblia, os filósofos, os poetas, mas para mim, de certo ponto, erraram de alvo. Ficam falando de uma coisa completamente diversa. Por isso há muito tempo desisti de ler. Encontro um pouco de conforto na bebida, no jogo e no sexo, e dessa forma me assemelho bastante a qualquer membro da comunidade, da cidade e do país; a única diferença é que não tenho o menor interesse em "vencer", constituir família, ter casa própria, um emprego respeitável etc e tal. Portanto, lá estava eu: sem ter nada de intelectual, de artista; nem tampouco as raízes redentoras da garota comum. Me sentia dependurada com uma espécie de rótulo indefinido e muito receio, sim, que isso marcasse o início da loucura.