Não sou precisamente bonita. Mas sou... Michelle Wundervald

Não sou precisamente bonita. Mas sou bonitinha. Não exatamente chego a incomodar. Mas se eu estiver feliz, maquiada, penteada, bem-vestida e meio de longe, passo perto disso. Isso faz de mim uma mulher mediana. Portanto, isso faz de mim uma mulher que, para sobreviver na vida e sobretudo no mercado de trabalho, precisa socializar e conviver bem com a realidade do meio do caminho.
Explico melhor: preciso conquistar o coração das feias que me odeiam (principalmente porque eu já fui uma delas e com algum empenho me tornei uma adulta bem razoável), preciso me deixar conquistar pelas lindas (porque por mais doces e humildes que algumas sejam, no fundo queremos que elas queimem no fogo do inferno – aliás, as odiamos ainda mais quando elas são doces e humildes) e, por fim, preciso também competir de igual para igual com as medianas, tentando ganhar delas no humor, na roupa ou no charme intrínseco de meu ser.
Resumindo: como é cansativo ser fêmea. E chato. E esquizofrênico. E doloroso. E fútil. Competimos umas com as outras o tempo todo. Você, caro leitor, deve realmente achar que nosso grande problema existencial no trabalho é ralar muito e ganhar menos que um homem. Porque as pesquisas apontam que as empresas ainda são machistas e as mulheres não dormem por causa disso e blábláblá. Ou você deve achar que sofremos com assédios, com os olhares masculinos opressores em nossas bundas. Nada disso. Nós sofremos mesmo é quando a desgraçada que senta do nosso lado tem um corpo melhor que o nosso. Aquele braço mais fino. Aquele peito mais empinadinho. Aquele cabelo mais lisinho. Aquele sapato altíssimo que a vaca consegue usar sem chegar desconjuntada ao final do dia. Nós sofremos quando vocês não assediam a nossa bunda e assediam a bunda da Julinha da recepção ou da Amandinha estagiária ou da Letícia Delícia que já tem idade mas se manteve incrível.
Estou há 10 anos trabalhando em ambientes com muita mulher vaidosa. E posso garantir: muito mais difícil do que exercer poder em uma sala de reunião perante milhares de engravatados é passar batom no banheiro da firma ao lado de uma mulher deslumbrante. Como é sofrido ver nosso reflexo mais baixo, mais narigudo, mais corcunda. Como é sofrido quando “a linda” joga as madeixas para trás, lava o rosto e sai naturalmente perfeita. E você lá, achando que pode ser salva porque está aumentando em meio milímetro o desenho da sua sobrancelha com uma canetinha marrom.
Ter uma promoção é importante. Conquistar o coração do cara mais interessante da empresa também pode ser bastante relevante. Mas eu vou contar o que é realmente fundamental: roubar a promoção ou o homem da mulher mais bonita da empresa. Nós estudamos, fazemos terapia, amadurecemos, evoluímos… mas seremos sempre vacas. Mulheres são vacas.
Somos todas muito amigas, almoçamos juntas, batemos pernas juntas no shopping, confidenciamos nossas dores, nos unimos contra vocês. Nos amamos. Uma ova. Mulheres se odeiam. A feia sempre me complicou a vida, torcendo para que meu chefe me esculachasse em praça pública. A feia sempre me passou informações pela metade. A feia sempre teve raiva de mim. Raiva essa amenizada por técnicas de sedução: eu sempre elogio o rosto de uma gorda, eu sempre elogio a bunda de uma espinhenta peluda (mulheres com hormônios estranhos costumam ter bundas boas), elogio o perfume de uma completa baranga que não tem mais nada a ser elogiado. Isso melhora a vida de uma mulher mediana umas duas horas por dia, até a horrenda se ligar que é simpatia forçada em nome da convivência.
E sempre ferrei as lindas. Sempre torci para que elas fossem burras, simplórias, bobas alegres. Sempre fiz piadas delas. Sempre achei de extremo mau gosto o entusiasmo “infantiloide” da mulher muito bonita. Tá rindo do quê se viver é angústia pura, sua linda? Nunca caí no papinho furado delas, elogiando minha inteligência (aliás: tem elogio mais ofensivo?). Caguei se as faço rir com meu brilhantismo conquistado mentalmente após anos trancada no quarto, me achando meia-boca. Eu queria era fazê-las chorar com minha beleza. Também sempre boicotei as medianas e elas sempre me boicotaram. Quando a beleza é pau a pau, fica mais complicado. Porque é sempre mais complicado quando tem pau envolvido.