Apenas outras ideias A partida começa.... Vítor Hugo S. Costa

Apenas outras ideias

A partida começa. Pedi cara, a Vida pediu coroa. Não me surpreendi, ela ganhou. Então eu fiquei com as pretas.
1.e4
-Surpreendente! A Vida falou sorrindo. Mais um ser humano que deseja jogar contra mim. O que faz você pensar que é diferente dos outros?
Nc6
Em um tom sarcástico eu disse:
-Eu acabo de nascer e a primeira coisa que ouvi é que somos únicos, insubstituíveis. Já você é bem antiga e conheceu todo o tipo de ser, mas não todos. Eu sou um elemento surpresa.
2.Bc4
Ela deu uma gargalhada. Fez uma expressão cínica e disse:
- Mais ou menos 4,5 bilhões de anos e eles continuam com o mesmo discurso. É verdade que você é único, mas não tenha a audácia de pensar que tudo o que você faz, pensa ou sente seja inédito para mim. Diferente de você que conhece o passado de apenas alguns anos e um presente de alguns minutos, além disso, e muito mais eu posso ver o futuro. Ou seja, sem querer trapacear, mas já trapaceando, eu sei o que você fará no tabuleiro.
.e5
Eu abismado com aquela declaração, e sem ação, acabei balbuciando:
-Mas... Mas... Então, por quê?
3.Qh5
Toda aquela expressão confiante se converteu em ira, ela aparentava estar zangada e respondeu:
-Seres petulantes. Eu não sei a resposta. E invejo os seres humanos por isso. Eu sei que vou ganhar o jogo, eu sei o que aconteceu, o que acontece e o que acontecerá, mas não sei o porquê. Eu não preciso questionar, fatos são fatos.
.d6
Eu levantei, segurei a mão da Vida e fizemos o último movimento.
4.Qxf7#
-Mate! Eu exclamei sorrindo.
A Vida atônita com o meu ato, falou:
- O outro lugar está vazio.
Dando as costas ao tabuleiro, reparei que ela queria uma satisfação, e brinquei:
- Este é o nosso oponente, o vazio. Você não estava jogando contra mim, e percebi que você também não era meu oponente. Lutamos contra o vazio que até mesmo a Vida sente. Você por algum motivo não pode questionar, eu não posso simplesmente aceitar, e o espaço entre nossos atos não nos tornam necessariamente inimigos.
E mais uma vez, ela sorriu:
- Eu sabia que você ia dizer isso e mesmo assim não acreditei. A maioria das pessoas simplesmente não aceita o que acontece, e lutam para mudar os fatos. É inútil. Poucas percebem que eu não sou responsável por prazeres ou sofrimentos.
Eu saindo da sala perguntei:
- E você vai continuar ai?
- Alguém precisa ensinar os outros a jogar.
E fui embora satisfeito.