O NOVO NASCIMENTO John Wesley –... John Wesley

O NOVO NASCIMENTO
John Wesley – reduzido e adaptado
P 1
“Importa-vos nascer outra vez”. (João 3.7)
1. SE QUAISQUER doutrinas, dentro do círculo do cristianismo, podem ser propriamente chamadas “fundamentais”, estas serão, sem dúvida, duas: a doutrina da justificação e a do novo nascimento: a primeira relacionando-se com a grande obra que Deus faz por nós, perdoando nossos pecados; a última, referindo se à grande Obra que Deus opera em nós, renovando-nos a natureza decaída.
Procuraremos responder a estas três perguntas:
Primeiro – Por que precisamos nascer de novo? Qual é o fundamento da doutrina do novo nascimento? Segundo – Como podemos nascer de novo? Qual é a natureza do novo nascimento? E, terceiro – Para que devemos nascer de novo? Para que fim isto é necessário?
Vejamos então em primeiro lugar – Por que precisamos nascer de novo? Qual é o fundamento da doutrina do novo nascimento?
Seu fundamento remonta tão longe e tão profundamente como à criação do mundo. Na descrição bíblica desse evento lemos: “E Deus”, o Deus Trino, “disse: façamos o homem à nossa imagem e segundo a nossa semelhança”.
Assim Deus criou o homem à sua própria imagem, à imagem de Deus o criou” (Gn 1.26,27) ; não meramente à sua imagem natural, um retrato de sua imortalidade; um ser espiritual, dotado de entendimento, liberdade de vontade e vários afetos; não meramente à sua imagem política, o governador deste mundo inferior, tendo “domínio sobre os peixes do mar e sobre toda a terra”; mas principalmente à sua imagem moral que, no dizer do apóstolo, é “justiça e verdadeira santidade” (Ef 4.24). Segundo essa imagem o homem foi feito. “Deus é amor”: conseqüentemente, o homem, ao ser criado, estava cheio de amor, que era o único moto de todas as suas disposições, pensamentos, palavras e atos. Deus é cheio de justiça, misericórdia e verdade: assim era o homem ao sair das mãos de seu Criador. Deus é imaculada pureza: e assim era o homem no começo: puro de toda mancha pecaminosa; de outro modo Deus não o teria achado, assim como todas as demais obras de suas mãos, como algo “muito bom” (Gn 1.31).
Bom, não podia o homem ter sido, se não fosse limpo de pecado e cheio de Justiça e verdadeira santidade. Porque não há meio termo: se supusermos que uma pessoa inteligente não ame a Deus, e não seja justa e santa, necessariamente temos que supor que essa pessoa não seja boa de modo nenhum, e ainda menos “muito boa”.
2. Mas, embora tivesse sido o homem feito à imagem de Deus, ele não foi feito, todavia, imutável. Foi criado com capacidade de permanecer de pé, e, no entanto, também sujeito a cair. E isto o próprio Deus lhe deu a conhecer e fez-lhe para tal propósito uma solene advertência. Não obstante, o homem não permaneceu em glória; caiu de sua alta condição.
Ele “comeu da árvore a respeito da qual o Senhor lhe havia recomendado, dizendo: tu não comerás dela”. Por esse ato voluntário de desobediência a seu Criador, por essa franca rebelião contra seu Soberano, o homem abertamente declarou que não mais queria que Deus o governasse; que desejava ser governado pela sua própria vontade, e não pela vontade daquele que o criara; e que não pretendia buscar sua felicidade em Deus, mas no mundo, nas obras de suas mãos.
Ora, Deus lhe havia dito antes: “No dia em que comeres” daquele fruto, “certamente morrerás”. E a palavra do Senhor não pode falhar. Conseqüentemente, naquele dia ele morreu: morreu para Deus – a mais tremenda de todas as mortes. Perdeu a vida de Deus: foi separado de Deus – e sua vida espiritual consistia precisamente nessa união.
O corpo morre quando se separa da alma; morre a alma quando se separa de Deus. Mas essa separação de Deus Adão a experimentou no dia, na hora em que comeu do fruto proibido. E disso deu, prova imediata, mostrando pela sua conduta que o amor de Deus estava extinto em sua alma, a qual se encontrava agora “afastada da vida de Deus”. Em troca, estava agora sob o temor servil, de modo que fugiu da presença do Senhor.
Sim, tampouco conservou o conhecimento daquele que enche o céu e a terra, porque tentou “esconder-se do Senhor Deus em meio das árvores do jardim” (Gn 3.8): desta forma havia ele perdido tanto o conhecimento como o amor de Deus, sem os quais a imagem de Deus não podia subsistir. Ele foi privado desta imagem e ao mesmo tempo se tornou ímpio e infeliz. Em lugar da imagem de Deus, revestiu-se de orgulho e obstinação, verdadeira imagem do diabo; e de apetites e desejos sensuais, à semelhança dos Brutos que perecem.
3. Se se disser: Mas aquela advertência que Deus deu a Adão – No dia em que comeres dela, certamente morrerás, refere-se à morte temporal, e somente a esta, isto é, à morte do corpo” – responder-se-á de pronto: Afirmar isto é franca e palpavelmente tratar a Deus como mentiroso; asseverar que o Deus da verdade positivamente afirmava uma coisa contrária à verdade. Porque é evidente que Adão não morreu naquele sentido, ou seja fisicamente, “no dia em que comeu do fruto”. Adão viveu, no sentido oposto a essa morte, por mais de novecentos anos. Assim, a expressão não pode ser entendida como morte corporal, sem que se ofenda a veracidade de Deus. Deve, portanto, ser entendida como morte espiritual, como a perda da vida e da imagem de Deus.
4. E em Adão todos morreram, toda a espécie humana, todos os filhos dos homens que então estavam nos lombos de Adão. A conseqüência natural disso é que todo descendente seu vem ao mundo espiritualmente morto, morto para Deus, totalmente morto – em pecados; inteiramente vazio da vida de Deus; destituído da imagem de Deus, de toda aquela justiça e santidade com que Adão fora criado. Em lugar disto, todo homem nascido no mundo traz agora a imagem do diabo, no orgulho e na obstinação; a imagem do animal, em apetites e desejos sensuais.
Este é, pois, o fundamento do novo nascimento – a completa corrupção de nossa natureza. Daí é quê resulta que, sendo nascidos em pecado, precisamos “nascer de novo”. Daí a necessidade de nascer do Espírito de Deus todo aquele que tenha nascido de mulher.
1. Mas, como pode o homem nascer de novo? Qual é a natureza do novo nascimento?
Esta é a segunda questão – e questão da mais alta relevância que se possa imaginar.
E isto veremos a partir da segunda parte que será apresentada a seguir.

O NOVO NASCIMENTO
John Wesley – reduzido e adaptado
P 2
Como pode o homem nascer de novo? Qual é a natureza do novo nascimento?
Nosso Senhor disse a Nicodemos: “O vento sopra onde quer” – não pelo teu poder ou sabedoria, “e ouves sua voz” – estás absolutamente certo, acima de qualquer dúvida, de que ele sopra; “mas não podes dizer de onde vem, nem para onde vai” – o modo preciso por que ele começa e termina, ergue-se e acalma-se, nenhum homem pode dizê-lo. “Assim é todo que é nascido do Espírito”: podes estar tão absolutamente certo do fato, como do soprar do vento; mas o modo preciso por que isso se faz, como o Espírito Santo opera na alma, nem tu, nem o mais sábio dos filhos dos homens, será capaz de explicar.
3. Entretanto, podemos dar um esquema claro e bíblico da natureza do novo nascimento. Isto satisfará a todo homem razoável, que somente deseje a salvação de sua alma. A expressão “nascer outra vez” não foi usada pela primeira vez por nosso Senhor em sua conversa com Nicodemos: era bem conhecida antes daquele tempo, e estava em uso comum entre os judeus ao tempo em que nosso Senhor apareceu no meio deles. Quando um pagão adulto se convencia de que a religião dos judeus era do Senhor e desejava unir-se a ela, era costume primeiro batizá-lo, antes que fosse admitido à circuncisão. E quando era batizado dizia-se ter nascido outra vez o que queria dizer que, o que antes era filho do diabo, era agora adotado na família de Deus e contado como um de seus filhos. Portanto, essa expressão, que Nicodemos, sendo “mestre em Israel”, devia ter bem compreendido, nosso Senhor emprega em conversa com ele; somente a emprega num sentido mais forte do que estava acostumado a ouvi-la. E esta podia ser a razão da pergunta: “Como pode ser isto?” O fato não se pode verificar literalmente: o homem não pode “entrar outra vez no ventre de sua mãe e nascer”; mas o fato pode verificar-se espiritualmente: o homem pode nascer de cima, nascer de Deus, nascer do Espírito, o que tem analogia muito próxima com o nascimento natural.
4. Antes de a criancinha nascer neste mundo, ela tem olhos, mas não vê; tem ouvidos, mas não ouve. Faz uso muito imperfeito de qualquer outro sentido. Não tem conhecimento de qualquer coisa do mundo nem tem qualquer entendimento natural. A forma de existência que ela tem então podemos dar o nome de vida. Somente depois de nascido é que podemos dizer que o homem começa a viver. Porque, tão logo nasce, começa a ver a luz e os objetos com os quais esteja em contato. Então se lhe abrem os ouvidos e ouve os sons que sucessivamente batem sobre eles. Ao mesmo tempo todos os outros órgãos dos sentidos começam a exercitar-se no campo apropriado a cada um. Ele próprio respira e vive de maneira totalmente diversa da vida que tivera até então. Como o paralelo exatamente se verifica em todos esses exemplos! Enquanto o homem se encontra no estado meramente natural, antes que seja nascido de Deus, possui, em sentido espiritual, olhos, e não vê; um espesso véu impenetrável está sobre eles. Possui ouvidos, mas, não ouve; é profundamente surdo a tudo o que mais lhe interessa ouvir. Seus demais sentidos espirituais estão anulados e é o mesmo que se os não tivesse. Daí não ter conhecimento de Deus, nenhum contato com Ele: o homem natural não se relaciona com Deus de modo nenhum. Não tem verdadeiro conhecimento das coisas de Deus, nem das coisas espirituais ou eternas; por isso, embora seja um homem vivo, é um cristão morto. Logo, porém, que é nascido de Deus há uma total mudança em todos aqueles pormenores. Os “olhos de seu entendimento são abertos” (tal é a linguagem do grande apóstolo); e Aquele que no passado “mandou a luz resplandecer das trevas, brilhando em seu coração, ele vê a luz da glória de Deus”, seu glorioso amor, “na face de Jesus Cristo”. Seus ouvidos sendo abertos, é agora capaz de ouvir a voz interior de Deus, dizendo: “Tem bom ânimo; teus pecados são-te perdoados”; “vai e não peques mais”. Este é o sentido do que Deus fala em seu coração, embora, talvez, não naquelas mesmas palavras. Ele está pronto agora a ouvir seja o que for que seja do agrado “Daquele que ensina ao homem e lhe revela o conhecimento de tempos em tempos.
“Sente em seu coração”, “a poderosa operação do Espírito de Deus”, ou seja, o homem sente, percebe interiormente, as graças que o Espírito de Deus opera em seu coração. Sente, e fica cônscio da “paz que excede a toda compreensão”. Muitas vezes experimenta uma alegria em Deus que é “indizível e cheia de glória”. Sente “o amor de Deus derramado em seu coração pelo Espírito Santo que lhe é dado”; e todos os seus sentidos espirituais são então exercitados em discernir o bem e o mal de ordem espiritual. Pelo uso deles, o homem diariamente cresce no conhecimento de Deus, de Jesus Cristo, a quem Ele enviou, e de todas as coisas pertinentes a seu reino interior. E agora pode propriamente dizer que vive: despertado por Deus mediante o Espírito, ele vive para Deus mediante Jesus Cristo. Vive a vida que o mundo não conhece, uma “vida que está: escondida com Cristo em Deus”. Deus está constantemente bafejando, por assim dizer, o espírito do homem, e este se acha respirando para Deus. A graça desce a seu coração e a oração e o louvor sobem ao céu: por este intercâmbio entre Deus e o homem, por esta comunhão com o Pai e o Filho, como por uma espécie de respiração espiritual, a vida de Deus se mantém na alma; e o filho de Deus cresce até chegar à “perfeita medida da estatura de Cristo”.
5. Daí manifestamente se ressalta qual seja a natureza do novo nascimento. É aquela grande mudança que Deus opera no espírito, quando Ele o chama para a vida, quando Ele o levanta da morte do pecado para a vida da justiça. É a mudança operada em todo o espírito pelo poderoso Espírito de Deus, quando ele é “criado de novo em Cristo Jesus”, quando é “renovado segundo a imagem de Deus, em justiça e verdadeira santidade”; quando o amor do mundo se muda em amor de Deus, o orgulho em humildade, a impetuosidade em mansidão; o ódio, a inveja, a malícia num sincero, terno e desinteressado amor a toda a humanidade. O novo nascimento é, numa palavra, aquela mudança pela qual a mente terrena, sensual e diabólica se transforma na “mente que havia em Cristo Jesus”. Esta é a natureza do novo nascimento: “assim é todo aquele que é nascido do Espírito”.

O NOVO NASCIMENTO
John Wesley – reduzido e adaptado
P 3
Respondamos agora à terceira pergunta. Para que fim é necessário nascer de novo? Mui facilmente se compreende que isto é necessário, primeiro, para a santidade.
E o que é a santidade, segundo os Oráculos de Deus?
Não é uma religião meramente exterior, um amontoado de obrigações externas, qualquer que seja o número delas e qualquer que seja a exatidão com que sejam cumpridas. Não: a santidade evangélica não é menos do que a imagem de Deus impressa sobre o coração; não é outra coisa senão toda a mente que havia em Cristo Jesus; consta de todos os afetos e disposições celestiais fundidos num só.
Implica um tal amor, contínuo e agradecido, Àquele que não nos ocultou seu Filho, seu Único Filho, de modo a tornar natural, de maneira imperativa, o amor a todos os filhos dos homens, à medida que nos enche “de coração misericordioso, ternura, doçura e longanimidade”.
É um tal amor de Deus que nos ensina a sermos inculpáveis em toda maneira de conversação; que nos habilita a apresentarmos nosso espíritos, nossas almas e nossos corpos, tudo que somos e tudo quanto temos, todos os nossos pensamentos, palavras e ações, como um contínuo sacrifício a Deus, aceitável através de Cristo Jesus. Ora, esta santidade não pode existir enquanto não formos renovados na imagem de nossa mente. Não pode começar na alma enquanto não for operada aquela mudança; até que, revestidos do poder do Altíssimo, formos tirados “das trevas para a luz, do poder de Satanás para o poder de Deus”, isto é, até que tenhamos nascido de novo; o que é, portanto, absolutamente necessário à santidade.
2. “sem santidade ninguém verá ao Senhor”, ninguém verá a face de Deus em glória. Em conseqüência, o novo nascimento é absolutamente necessário à eterna salvação. Tão desesperadamente mau e tão enganoso é o coração do homem, que eles podem se lisonjear na esperança de que possam viver em seus pecados, até chegarem ao último suspiro, e ainda depois viverem com Deus; e milhares realmente crêem que encontraram uma estrada larga que não leva à perdição. “Que perigo”, dizem eles, “pode correr a mulher, com aquele que é tão sem maldade e tão virtuoso? Que perigo há que homem tão honesto, de tão rigorosa moral, possa perder o céu; especialmente se, sobre e acima de tudo isso, freqüenta a igreja?” Um desses perguntará com toda a segurança: “Quê! não faço tanto bem como meu próximo?” Sim, tanto bem como teu próximo ímpio; tanto bem como teu próximo que morre em seus pecados! Na verdade, descereis todos ao abismo, ao mais profundo inferno! Todos vos reunireis no lago de fogo; no “lago de fogo que arde com enxofre”. Então, afinal, vereis (conceda-vos Deus que possais vê-la antes!) a falta que faz à glória a santidade, e, conseqüentemente, a falta do novo nascimento, uma vez que ninguém pode ser santo, a não ser que seja nascido de novo.
À luz de todas estas considerações, importa que digamos aos homens que eles devem nascer de novo?
“Não” – diz o homem zeloso – “isto não pode ser; como podes falar assim, descaridosamente, ao homem? Não já foi ele batizado nas águas? Não pode agora nascer outra vez!”
Não pode ele, nascer outra vez? Afirmas isto? Então ele não pode ser salvo. Embora seja tão velho quanto o era Nicodemos, “se não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Portanto, dizendo tu: “Ele não pode nascer de novo”, tu de fato o entregas à perdição. E onde agora está a falta de caridade? De meu lado ou do teu? Eu digo: ele precisa nascer outra vez e tornar-se deste modo herdeiro da salvação. Tu dizes: “Ele não pode nascer de novo”: e, se assim for, deve inevitavelmente perecer! Assim obstruis inteiramente seu caminho rumo à salvação, e o envias ao inferno por simples caridade!
Seja, pois, esta a oração contínua daqueles que não experimentaram aquela graça interior de Deus: “Senhor, adiciona esta a todas as tuas bênçãos: permita-me nascer de novo! Nega-me tudo quanto for de teu agrado negar-me, mas não me negues isto: permita-me ser nascido do alto! Retira-me o que quer que te pareça bem retirar-me – reputação, fortuna, amigos, saúde – e dá-me somente isto: ser nascido do Espírito, ser contado entre os filhos de Deus!
Permita-me nascer, não de semente corruptível, mas incorruptível, pela palavra de Deus, que vive e permanece para sempre; e então deixa-me diariamente crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!”