Era uma tarde fria em tons gris quando... Aline Mota
Era uma tarde fria em tons gris quando ela saiu para ver o mar. Não era o tipo de clima comum naquela cidade, desperdiçá-lo era como rejeitar uma dádiva. Despiu-se dos saltos, pôs uma rasteira nos pés e um óculos escuro no rosto - em dias comuns, ele à protegeria do sol, naquele dia, da solidão. Não sentiu vergonha de sair com óculos de sol numa tarde tão inexpressiva. Sentia mais vergonha em admitir que seu coração fosse talvez, mais intangível que a tarde; Todos os lugares onde passou lembravam ele, embora nunca estiveram juntos ali. Como ela queria mostrá-lo aquele mar tranqüilo e sereno. Ainda que ele não gostasse de mar, talvez gostasse do tom azul-acinzentado que reluzia o céu. Do alto daquele cais viam-se navios cargueiros, alguns transatlânticos atracados no porto, barquinhos com pescadores. Um sol ausente e uma ameaça de tempestade com a cor dos olhos dele. Olhos castanhos que palavra nenhuma descreveria. Ela nunca entendeu as coisas con
traditórias, como aqueles olhos que transpareciam castos e voluptuosos num mesmo momento. Enxergava o rosto dele em todos os cantos, não conseguia pensar em nada além daquela pele alva, tão branca quanto o dia, mais macia que o veludo. Como doía pensar nele. Mesmo assim, todas as esquinas estampavam o seu sorriso plácido de menino do interior envolvido sempre numa aura de simplicidade e mistério. Olhou para o celular que não tocou e sussurrou “ele não é tão importante”. Estampou um sorriso no rosto e fingiu não esperar uma ligação que não receberia. Do seu lugar, o mar observava uma menina de cabelos pretos, que pensava que tinha o mundo nas mãos, nesse instante tão insegura. Esboçava um sorriso triste que só os apaixonados possuem e reconhecem. Os dois se entreolharam: a menina e o mar. Os barcos, os pescadores, o cais, o coração da menina e até o mar permaneceriam ali para sempre. Ainda assim, despediram-se como se algo fosse deixar de existir. O lugar permaneceria igual, mas nenhum dos dois seria o mesmo.