(...) O apóstolo Paulo, escrevendo a... Martin Lloyd-Jones
(...) O apóstolo Paulo, escrevendo a Timóteo (II Timóteo 3:12), vai ao ponto de dizer: "E também todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições". De acordo com as Escrituras, é uma lei que, quanto mais nos aproximamos do Senhor Jesus em nossa vida e nosso estilo de viver, mais probabilidades teremos de enfrentar problemas neste mundo. Olhem para Ele — que não cometeu mal algum, nem dolo se achou em Sua boca. Passou Sua vida curando as pessoas, fazendo o bem e pregando; e no entanto, vejam a oposição e as provações que teve de enfrentar. Por quê? Porque Ele era quem era. O mundo, no fundo do seu coração, odeia Cristo e odeia os cristãos, porque uma vida santa o condena. O homem do mundo não gosta disso porque o incomoda. O apóstolo sabia o que essas pessoas estavam experimentando nas mãos dos perversos, e ele continua no quarto capítulo, expressando-o ainda mais especificamente: "Porque é bastante que no tempo passado da vida fizéssemos a vontade dos gentios, andando em dissoluções, concupiscências, borrachices, glutonarias, bebedices e abomináveis idolatrias; e achando estranho não correrdes com eles no mesmo desenfreamento de dissolução, blasfemando de vós". O mundo estava aborrecido com essas pessoas porque elas tinham abandonado aquele tipo de vida e estavam vivendo a vida cristã. Assim que se tornaram
cristãs, passaram a ter problemas com o mundo. Pessoas que antes eram amigáveis começaram a criticá-las, ignorá-las, ou a falar mal delas aos outros. Essa era uma das coisas que lhes estava causando tristeza. Estavam contristados por causa disso, e é algo que os cristãos têm sido obrigados a suportar através dos séculos. Nada é mais penoso do que este mal-entendido da parte de outras pessoas, e se torna ainda mais difícil se acontece ser alguém muito chegado a nós. Como é difícil quando alguém é o único cristão da família. Este tipo de provação acontece, e se um cristão nunca enfrenta algum tipo de provação, isso sugere que há algo radicalmente errado com seu cristianismo. O apóstolo Paulo experimentou isto constantemente. Lembram-se que ele disse: "Demas me abandonou"? Aquilo não foi fácil para Paulo; realmente o perturbou. Teve que enfrentar seu julgamento completamente sozinho; pessoas com quem pensou que podia contar, de repente o abandonaram, e ali estava ele completamente só. "Todos me desampararam". Esse é o tipo de coisa que entristece o cristão, e basta lermos as biografias dos santos de Deus, para encontrarmos isso constantemente. Leiam os diários de John Wesley e descobrirão que ele estava frequentemente neste estado por causa de mal-entendidos. Isso também é encontrado em larga escala na vida de Charles Haddon Spurgeon, em conexão com uma grande controvérsia na qual ele se achou envolvido. Homens a quem ele tinha considerado amigos, e alguns a quem ele havia instruído às suas próprias custas na faculdade, de repente se afastaram dele. Basta ler seu relato para perceber como ele foi machucado e entristecido. Estava contristado porque homens nos quais pensava poder confiar de repente lhe falharam. Isso sem dúvida encurtou a sua vida. Li nos diários de George Whitefield recentecente algo muito parecido. Whitefield havia experimentado uma época de excepcional proximidade de Cristo e estava se regozijando nisso, mas faz uma observação em seu diário, lembrando que de uma forma estranha tais experiências muitas vezes eram seguidas por provações muito duras, e ele escreve: "Sem dúvida estarei sujeito a isso novamente". Ele sabia, era sua experiência; é uma lei quase inevitável na vida do homem de Deus num mundo de pecado. Aqui, pois, estavam esses cristãos, sofrendo múltiplas provações. O termo é amplo, e significa qualquer coisa em nossa vida que tende a nos perturbar, algo que nos toca nas áreas mais delicadas e sensíveis do nosso ser, nosso coração, nossa mente, as coisas que tendem a nos abater. Como o apóstolo trata dessa situação? É muito interessante, e é o que devemos fazer se queremos manter esse aspecto duplo da nossa vida cristã. Se vamos continuar nos regozijando, apesar das coisas que nos entristecem, devemos enfrentá-las da maneira que o apóstolo nos instrui. Qual é seu ensino? A primeira coisa que ele faz é apresentar um grande princípio, e é que devemos compreender por que estas coisas nos acontecem. Essa é a primeira coisa, e quantas vezes precisamos dizer isso a nós mesmos e uns aos outros! Às vezes penso que toda a arte da vida cristã é a arte de fazer perguntas. O perigo que corremos é de permitir que estas coisas nos aconteçam, sem proferir coisa alguma além de, talvez, um gemido, lamento ou reclamação. O que precisamos fazer, porém, é descobrir, se pudermos, porque estas coisas estão acontecendo; tentar descobrir a explicação, e em conexão com isto o apóstolo usa os seguintes termos: "Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário..." "Sendo necessário"! Ah, esse é o segredo. O que ele quer dizer com essa frase? Não há nenhuma dúvida quanto à resposta a essa pergunta. É uma declaração condicional, que podemos traduzir assim: "Por breve tempo, caso isso for necessário". "Se isso for necessário"! Não é apenas uma declaração geral de que num mundo como o nosso tais coisas têm que acontecer. Significa muito mais do que isso. Ele não diz: "Bem, vocês estão se regozijando nessa bendita esperança, ainda que num mundo como este tenham que suportar certas coisas". Isso está correto, é uma grande verdade; mas o apóstolo não encerra o assunto aí. Sua declaração é positiva. Ele diz: "Vocês estão enfrentando essa provação, porque isso é necessário no momento". Aqui, então, está nosso princípio: há um propósito definido em tudo isso. Nada disto acontece acidentalmente, nem é algo que ocorre simplesmente por causa de toda a organização da vida. Isso está incluído, mas não é a razão principal. Estas coisas acontecem, diz o apóstolo, porque são boas para nós, porque fazem parte da nossa disciplina nesta vida, e neste mundo, e porque — vamos deixar isso bem claro — Deus assim o determinou. Essa é a doutrina do apóstolo, e é doutrina de todo o Novo Testamento, e certamente é a doutrina dos santos através dos séculos. Em outras palavras, devemos olhar para a vida cristã desta maneira. Estamos andando através deste mundo sob o olhar do nosso Pai celestial. Essa é a coisa fundamental; o cristão deve pensar em si mesmo como alguém que está envolvido num relacionamento peculiar com Deus. Isso não pode ser dito de alguém que não é cristão. Há um plano e propósito muito definido para a minha vida; Deus me adotou e me colocou em Sua família. Para quê? Para que possa me levar à perfeição. Esse é Seu objetivo — "para sermos (mais e mais) conformes à imagem do Seu amado Filho". É isso que Ele está fazendo. O Senhor Jesus Cristo está trazendo muitos filhos a Deus, dizendo: "Eis-me aqui, e os filhos que me deste". Se não começarmos com esse conceito fundamental de nós mesmos como cristãos, iremos nos desviar, e certamente não entenderemos estas coisas.