(...) Afinal, há dias em que não... Ismara Alice
(...) Afinal, há dias em que não queremos ter sentimento. Há dias em que ficamos imunes à vulnerabilidade da paixão. Dias que não queremos ter memória, nem sequer um pensamento, por mínimo e inútil que seja. Há dias em que não queremos acordar. Há dias em que não queremos dormir. Há dias em que palavras não bastam, carinhos não são satisfatórios, nem suprem carência. Há dias em que queremos esvaziar o coração. Há dias em que nos sentimos perdidos, descridos, que não queríamos ter nascido, ou pelos menos não na nossa família. A inveja é doce, a família do vizinho é sempre mais divertida e como dizem por aí: a sua grama é mais verde. Há dias em que não queremos ouvir nenhuma voz, mas o grito do silêncio assusta. Há dias em que somos mais falhos que o normal e nos sentimos menos humano por isso. Há dias atravessados em que se quer morrer, que o oposto é sempre bem-vindo. Que as coisas pelo avesso são mais coerentes. Há dias em que o “não-certo” jamais intimida falta de vontade. Dias e dias em que seguimos errados e errantes, mesmo sem errar.