Na noite da dor, esqueceu de sentir... Graziela Dias
Na noite da dor, esqueceu de sentir algo, e as vezes não sentia, só mantinha sua cara fechada para todos. Sentava no seu canto e lia seu livro, e ninguém lhe notava, a não ser os que a achavam estranha demais, estranha por não ser extravagante, estranha por não ter amigos e por ser deprimente demais. E ela era muito deprimente, e todos lhe diziam isso, e eu acho que essa é a segunda vez que lhe conto isso, mas acho que é porque ela estava bastante deprimente naquele dia, quando finalmente tomou coragem e atirou na própria cabeça, com o rifle de seu pai, que vivia mostrando a arma por todo canto. E a morte veio, e ela era mais deprimente do que a garota, que em cima do balcão da cozinha, deixou um bilhete. E o bilhete dizia coisas lindas, e eu queria ter lido, mas só pude ouvir, e eu queria ter visto como ela escreveu, porque ela escreve bem, e eu chorei quando ouvi suas palavras, chorei porque acho que também sou deprimente. E acho que sou mais deprimida do que ela, porque eu estou observando seu corpo ser enterrado, e acho que vi seus olhos abrirem, e vi sua dor, e suas lagrimas, e acho que sinto muito, porque chorei, e ninguém podia me ver, porque além de tudo, sou apenas um estado da mente. E eu morri também.