É incrível como eu pude viver trinta e... Mah Ferrari

É incrível como eu pude viver trinta e três anos, passar pelas coisas mais difíceis e sair delas mais forte.
Magoei e fui magoada, fui embora, voltei, tornei a ir...
Cai, levantei, dei ponta pés em quem merecia ficar e depositei confiança em falsos amigos/amores que iriam me trair.
Procurei razões nas coisas, nas pessoas. Busquei respostas e procurei verdades.
Vivo correndo, com pressa, sem tempo para viver com plenitude os momentos.
Olhei para trás e vi raras boas lembranças , em meio a um amontoado de decepções, frustrações e coisas sem importância. Algumas dores incuráveis. Outras que o tempo amenizou, mas continuam lá, no passado, como um lixão do tempo.
Fui vítima de pré conceitos inúmeras vezes por não usar máscaras.
Minha vida é um eterno sobe e desce.
Chegadas que acabam no ponto de partida e ciclos precisando inevitavelmente serem fechados para seguir adiante com a consciência tranquila e o coração em paz.
E hoje, eu percebi, que em apenas alguns minutos de conversa clara e franca, olhando nos olhos de uma criança, podem nos dar mais respostas sobre quem somos do que uma vida inteira, de certezas e incertezas.
Eu, Marisa Ferrari M. precisei viver trinta e três anos, passar pelas portas mais estreitas, me ralar todinha, dar com a cara contra o muro, sofrer com más interpretações, pré conceitos, julgamentos de quem nunca saberá metade da minha história e criar no peito e na raça por seis anos e meio um serzinho de luz, pra que ela olhasse nos meus olhos e me falasse algo tão óbvio mas que eu nunca ninguém havia enxergado.
Não basta perdoar, você tem que mostrar que perdoou, pra que as pessoas possam seguir seus caminhos livres da culpa.
Não basta pedir perdão, há que se sentir perdoado.
Hoje eu entendi que todas aquelas perguntas sem resposta moram no meu passado, na minha infância, em quem eu realmente sou.
Eu tive que quase morrer e renascer, eu tive que passar frio e fome sozinha calada e sorridente, como se minha vida estivesse maravilhosa, por puro orgulho não pedir socorro, eu tive que sofrer com medo, sem perder o ar de corajosa e madura, mandando dizer que eu estava bem. Mas confesso, disso eu não me arrependo, por que sei que o mundo gosta de pisar em que já está caído.
Só lamento, não ter entendido antes o que a minha mãe queria dizer: "nunca esqueça de quem você é e de onde você veio"
Agora eu sei que a sabedoria pode vir das experiências que vivemos, mas pode também brotar do sorriso mais puro e inocente, a maior conselho que eu já recebi na vida foi da minha filha, repito: de SEIS anos e meio, e foi também o mais claro, sem enigmas, sem palavras difíceis, ela simplesmente disse:
Leticia: Mãe, se você brigou com o seu PAI, você tem que pedir perdão, e tem que pedir também a Deus, porque ele é o seu pai, mesmo que você não queira. E você nunca poderia ter dito que não queria que ele fosse seu pai, peça perdão a Deus por isso.
Eu: Mas filha, eu só disse isso porque ele me magoava demais, por causa da bebida.
Ela então com uma doçura, uma calma e uma firmeza quase sobre-humana continuou com as mãozinhas na minha testa:
Leticia: Primeiro mamãe, você tem que perdoar ele pelo que ele fez e pedir perdão pelo que você fez. Segundo: a bebida não tem cura, entenda, ele não queria fazer.
Imediatamente eu respondi como que defendendo-me das fortes palavras que ela havia dito, que haviam me revirado do avesso em segundos:
Eu: Filha, eu já o perdoei, quando ele esteve no hospital eu cuidei dele com amor e quando ele acordou, se quer me reconheceu, apenas lembrava de ter tido outros dois filhos: seu padrinho e sua madrinha. Mas mesmo assim eu não me magoei mais, entendi as razões.
Após isso, ela não disse mais nenhuma palavra, foi um momento de silêncio, mas ela não desviou por nenhum instante seu olhar do meu, eu sabia que naquele momento ela podia enxergar a minha alma...
Voltei meus pensamentos para o exato momento em que eu havia reencontrado aquele homenzinho franzino e quase sem vida no leito de hospital, na ala de pacientes terminais, seus olhos se abriram, vazios, como se eu fosse invisível. Ele era um espelho, eu me via através dele, não sei em que tempo, mas sei que a semelhança, não limitava-se a bela cor verde dos olhos que eu orgulhosamente herdara de um homem simples e sem posses, de vida difícil, trabalhador braçal, sem instrução, analfabeto, que um dia arrancou-me de um hospital nos braços com um mês de vida para salvar-me da morte. Não aceitou o diagnóstico que dizia que eu não viveria mais do que uma noite, ele sem nenhuma informação, sem nenhum poder, sem nenhuma força, discordou de um DOUTOR. e lutou contra a segurança do local, vendeu tudo o que possuía, o que havia restado depois das noites de bebedeira e jogos mal sucedidos com amigos ordinários que aproveitavam-se de suas fraqueza. E sem pensar duas vezes pagou o melhor hospital que pudesse tratar-me naquele fim de mundo. E aqui estou eu, viva e cheia de histórias pra contar.
Este homem que outrora salvou-me a vida, frustrado e sem nenhum preparo veio parar em terras tão distantes, com enormes muros nos quintais e nos corações das pessoas.
Perdeu-se... na dor... na inquietude... no desespero de jamais voltar... sentia falta do cheiro da mata, da terra molhada, das sementes pra plantar, da vida simples e principalmente do amor que havia perdido pelo caminho, pelas suas próprias falhas. Agora ele já não tinha mais ninguém. Exceto uma das filhas, que nunca o abandonou. Minha irmã, ela sempre foi melhor que eu, mais pura, mais amável. A mim, chamavam de "pedra de gelo" apelido carinhoso de família. rsrs
Se eu chorava? Muito, mas eles nunca sabiam.
Minha mãe diz que eu sempre fui assim, desde bebê, caia, me machucava, levantava brava, mas não com cara de choro. Se ela me batia para me corrigir eu olhava nos olhos dela como que a enfrentando, mas não chorava, não dizia nada, apenas olhava e depois ficava quieta no meu canto por uns tempos, me perdendo nas minhas fantasias. Ela sempre acabava se arrependendo.
Eu sabia que eu iria muito longe, e sabia que quando eu estivesse longe, não iria querer voltar.
Nunca entendi porque, mas eu sempre quis ir embora e é claro que eu nunca perdi nenhuma oportunidade de ir.
Mas voltando a conversa com a minha filha:
Ficava claro o que ela queria dizer com aquele olhar, lembro-me agora, da onde eu vim e porque estou aqui.
Mas lembro-me principalmente de tê-lo perdoado em silêncio. Nunca disse que ele tinha meu perdão. Não fiz nenhum esforço para que ele conhece-se a própria neta, minha filha que agora voltara a falar:
Leticia: Mamãe, eu nem se quer conheço meu vovô de sangue, meu verdadeiro vovô, e eu não quero que ele morra sem ter me conhecido...] neste momento eu chorei. Agradeci a Deus por ter me mandado ela no momento em que eu mais precisei, para que eu, como ele, não acabasse perdida e solitária neste mundo cruel... agradeci pelas respostas e pedi encarecidamente do fundo da minha alma: Senhor, não permita que ele vá embora sem meu abraço e sem ver este olhar que eu tenho a graça de ver todos os dias.
PERDÃO MEU DEUS POR TODAS AS MINHAS PALAVRAS, PELOS MEUS MAUS SENTIMENTOS, e já que eu não posso dizer isso pessoalmente a ele neste momento, Deus, com sua infinita grandeza plante em seu coração o que acabaste de plantar no meu... que ele saiba que eu o perdoo, que eu o perdoo por tudo, por todos os sentimentos ruins que ele inconscientemente fez brotar em mim. E que ele saiba que eu sou grata por tudo o que ele fez para o meu bem, quando ainda tinha condições psicológicas para isso.
Mas acima de tudo, Deus, meu pai maior: eu te agradeço por ter sido escolhida a fazer parte desta família, por fazer parte dos seus planos a minha evolução espiritual e de todos que me rodeiam. Amém.