É patético ser normal. Me vi cega no... Beatriz Fagundes
É patético ser normal.
Me vi cega no escuro, sentando em tudo que é muro, sentindo medo do nada, acordando na madrugada. Não era eu ali, eu não era assim. Adaptei-me ao ambiente, temendo ser diferente e, feito um camaleão, camuflei-me. Estava vazia, igual e normal. Não era eu ali, eu não era assim. Certo seria se eu fosse eu e não um camaleão idiota que tem medo de tudo. Certo seria se eu criticasse o amor quando ele por mim passasse, certo seria se eu subisse no palco e recitasse uma poesia, se eu contasse até dez, cem ou mil quando fosse provocada, se eu cantasse sob o chuveiro quente um inglês embaralhado, se eu inventasse palavras e passasse a usá-las no cotidiano, se eu gostasse mais de mim, se eu sonhasse todas as noites, se eu não entendesse piadas e pedisse pra me explicarem. Se eu ouvisse alguém falar algo e mesmo assim fazer cara de “hã?”, aí seria certo, aí seria eu. Acho que estava cansada demais, transbordando, sem espaço pra fazer/ser diferente. Acomodei-me e camuflei-me. Estava normal, como todos. Aceitando tudo, deixando coisas pra amanhã ou para o mês que vem. Estava igual. Igual e patética. Patética sendo normal. Havia me camuflado tanto que não me via mais no espelho do meu quarto. Não era eu ali, eu não era assim.