Algoz. Estou do mesmo jeito, nada mudou,... Alexandre Morais

Algoz.

Estou do mesmo jeito, nada mudou, penso e sinto você a cada momento. Cada desviada de beijo sua que me esvazia. Cada beijo carnudo e molhado, banhado de suor das nossas línguas que rodam e se esfregam na cama da boca. Você sabe do que estou falando. Toda vez, ao pegar minha xícara de café, olho para a fumaça desvairada no ar, coloco-a nos dentes apertados pelo calor. Lembro-me dos dias quentes, debaixo de sóis escaldantes, testemunhas das nossas trocas de carícias e afagos. Deixava você em casa, abria o portão. O portão, aquele barulho me vem à cabeça dele ao ser destrancado. Ele gozava de mim, debochava e me menosprezava: “Você perdeu.” Mas voltava atrás e olhava-me de novo. Batia-o com força, como se o castigasse. Os mesmo sóis testemunhas eram também companheiros. Seguiam-me e esquentavam-me a nuca, para suprir as ausências. Quero tocá-la de novo, como antes. O cuidado ao deslizar e desenhar no seu rosto com as minhas mãos. Pegava seu cabelo e o passava atrás da orelha, assim que partia cheirava as pontas dos dedos e os lambia. Após o último beijo, não preocupava em secar a minha boca. Deixava com que ficasse a sua saliva para ter a sensação da sua boca na minha. Era como se lambuzasse com a viscosidade. Uma lembrança viva. Mas você não ligou. Fiquei apreensivo, ansioso e tenso. Não parava de olhar para o relógio. Beirava a loucura, a ponto de xingá-lo pela sua paciência de distribuir as horas à todos. Não trazia a sua ligação. Ela não veio. O frio sim, ela não. Não existiu. Não entrou para a história. Humildemente caído ao chão. Desabado. Mas não quero ser difícil, isso tira a graça da vida. Impede de fazermos coisas incríveis que tiram o fôlego. Deixe os difíceis para lá, no sereno, com suas vidas monótonas, pacatas e sem o fervor da emoção, apenas em branco. Se és ou é comigo, não sei. Sei que não vou aprisionar algo belo por opiniões alheias e exemplos ilusórios. Mas você não ligou. Não pronunciou a primeira letra aguardada meio sem jeito, quase mudo. Ela puxaria várias palavras. Combinadas formariam frases. Ao término, um texto. Após lançadas no telefone, poderiam mudar a minha vida ou então, não acabar, mas algo pior, muito pior, poderiam me fazer seguir com a falsa felicidade de não estar com você. Mas você não ligou. Nem ao menos uma mensagem de boa noite foi enviada. Mostraria você viva, viva em mim. Não tive uma boa noite. Não sei se saiu com outro, por isso poderia ter esquecido de ligar, já que queria aquecer e consolar o corpo, e não os ouvidos e o coração. Não sei se foi embora depois de uma festa alegre de criança, com bolo e brigadeiro. Eu esperei, como sempre espero. Mas você não ligou. Deve ter desistido dos braços entrelaçados, das testas coladas, da aquarela que os nossos olhos formavam. Tinham momentos que eles apertados escorriam mel. Estou com o coração na mão, à espera da única respostas que me vem a cabeça. Sim. Mas você não vai ligar.