O Outro Bicho Sem destino certo,... Warley Tomaz
O Outro Bicho
Sem destino certo, caminhava pelas ruas como um cão farejando alimento. Eu estava faminto.
Se batia à porta das pessoas, a hostilidade das donas e seus maridos causava-me medo. Minha presença provocava-lhes repugnância.
Sequer podia transitar nas calçadas frente a restaurantes sem ser vigiado ou humilhado por seguranças. Mendigos prejudicam a reputação do comércio, diziam.
Minha esperança era revirar o lixo nas lixeiras de restaurantes e, quando encontrava algo comestível, lançava-o goela abaixo sem me importar com o cheiro e o gosto desagradável.
Aquela manhã tornei-me objeto de curiosidade de um garoto, provavelmente em seus seis anos de idade. Enquanto investigava o lixo de um restaurante ao lado da escola, pelo pátio, um menino olhava-me fixamente. Estava atônito pelo espanto de perceber um homem sujo e tão magro se misturando ao lixo e dele comendo voraz.
O garoto não dizia palavra alguma. Apenas encarava-me com seus olhos insistentes que, por um momento pareceu-me gritar: “não coma isso. É lixo!” Senti-me envergonhado.
O sinal da escola tocou anunciando o término do recreio.
Lacrimaram meus olhos em ver aquele menino, meu Deus, livre de qualquer preconceito, na inocência de sua vida, com as mãozinhas trêmulas me oferecer da sua lancheira para comer.