Talvez a mais triste convivência que... Kamylla Cavalcanti

Talvez a mais triste convivência que temos é com quem já não está mais presente, é a dolorosa convivência com o perfume que fica intríseco na memória, com um jeito de falar que se repete em outros lábios, com o som da gargalhada que insiste em soar em meio ao silêncio. É a dor oculta da manhã sem o bom dia, do sábado sem o cinema, dos dias tristes sem consolo. É o costume que não se tem, de passar... por uma determinada rua e não lembrar, de olhar um andar parecido e não recordar, de ouvir uma determinada música e não chorar.
É parecer que todas as histórias mereciam ser compartilhadas com quem já se foi, é se sentir em dívida com o amor por não tê-lo entregue ao todo, é se ouvir falar dele pra si mesmo quando mais ninguém parece querer ouvir.
A convivência que se aprende a aceitar, que dilacera as certezas de tantos que repetiam exaustivamente que um dia tudo iria passar. É a dor cotidiana de não se ter mais alternativas, de não ter mais sono que alivie ou apague, de ver que as lembranças não estão passando com o tempo e sim cada dia mais vivas.
É quando tudo que se vive parece um déjà vu de um tempo que mais parece uma outra vida. É viver esperando uma resposta pra uma pergunta que já foi esquecida. É ter a verdade escondida dentro de si sem ter como mudá-la. É sentir-se enganada por si mesma de um dia ter pensado que fosse pra sempre. É querer se encostar em um ombro que já não te acolhe. É não ter mais forças pra arrumar uma cama vazia. É parecer anti social por querer estar só quando a dor apertar. É ter que conviver com o medo de não mais esquecer.