Precisava de um gole denso de algo que... Adriana Vargas

Precisava de um gole denso de algo que fosse capaz de me trazer a realidade, por longos anos, durante os minutos que se passavam no relógio, o ponteiro era apontado para mim; precisava fazer algo, mas não sabia por onde começar; onde estava o trago doce ou amargo da salvação?!
O relógio ainda vagava descomunal por entre os algarismos obsoletos, mas era para mim, que o ponteiro ainda apontava - O que fazer quando se é cobrado para viver, e a miséria que constrói morada em sim resmunga às espreguiçadas... Quer apenas que eu sobreviva por entre o caos traduzindo o lamaçal que cobria os tornozelos cansados de andar e deixar suas pegadas sujas por aonde ia... Todos conseguiam me achar! Todos! Os rastros da imundice não me permitiam o isolamento total, em um lugar que eu pudesse estar definitivamente só até que o último suspiro quebrantasse o fio de vida que ainda me restava.
Era covardia desistir sem olhar para o retrovisor...
Olhei...
Um susto ressuscitou o que eu insistia esquecer...
Olhei pelo retrovisor, a paz que eu tive quando a fé era parceira.
Vi os olhos de minha mãe me olhando quando me deixou na escola em meu primeiro dia de aula.
Vi que meu pai sempre gastava todo o seu salário com a família, e jamais reclamava que o seu sapato estava velho demais.
Tive nova oportunidade em ver os olhinhos de meu primeiro bebe quando nasceu - fomos as primeiras a nos olhar com a sensação de quem sempre nos amamos, mesmo quando ela ainda não existia.
Hum! Aquela prova que estudei tanto; madrugada afora foi assim... Tirei uma nota três, e não morri por este motivo.
Vi minhas mãos jogando as flores brancas por cima do caixão de minha avó, sabendo que nunca mais a viria, e diante disso, a dor por não ter lhe dito “muito obrigada por tudo que fez por mim”... Quando eu tinha medo do escuro e precisava ir ao banheiro... Quando não conseguia dormir, e ela me contava aquelas histórias de sua infância sacrificada na roça...
É engraçado, o espelho me revelou um monte de fatos que eu não conseguia me lembrar mais... E estão a todo tempo registradas em meu DNA, e mesmo assim... Por que insistia em esquecê-los?
Por que queria morrer com tudo isso guardado em mim, sabendo que não fui infeliz o tempo todo, mesmo diante da dor, há um conto bonito de sentir, e às vezes, era somente isso para bastar o eco de um vazio inválido... Migalhado... Inútil.
Olhei para o relógio - o ponteiro havia deixado de me apontar à vida, pois a vida... Esta me apontava agora, a direção.