Estréia Chega, afinal, o dia da... Alexandru Solomon
Estréia
Chega, afinal, o dia da estréia esperada.
Com ingressos esgotados, multidão desesperada
Se agita, faz bagunça e procura os cambistas.
Esses vão ganhar aplausos, tantos quanto os artistas.
A cidade revestida de cartazes coloridos,
Com a mídia alucinada a soltar os seus vagidos,
A senhora colunável olha a roupa no cabide,
Que escolha enjoada, como no “Você decide”.
Como decidir agora? Se aparecer fulana
Que a viu nesse vestido lá no coquetel da Ana?
E se escolher o verde com decote estonteante,
Será logo rotulada “Essa aí quer um amante”.
Descartado foi o verde, indecente e ousado.
E se escolher o preto, que é bem mais comportado?
Nada feito. Tem babados. Eles não se usam mais.
‘Posso parecer ousada, mas ridícula, JAMAIS!’
Eu não quero esse branco num evento de primeira,
Pra ouvir “Olha na frente, olha aquela enfermeira!”
Se usar aquele reto mais fechado e com gola,
Vou criar-me um problema: como uso a estola?
Como o tempo é insensível, sem um pingo de piedade!
Ela só se debatendo, vítima de ansiedade.
Pega o vestido rosa e o atira ao chão chorando.
Essa ela não agüenta: não tem bolsa combinando.
Sente que se aproxima o momento crucial.
Bem que usaria o cinza. É, mas falta-lhe o sal.
‘Mas, querida, é bem bonito, juro que sal não lhe falta.
Você fala por despeito, só porque tem pressão alta!’
E olhando o prateado: Custou caro, um assalto,
Mas não tenho mais sapato prateado, salto alto.
Desespero toma conta, e o marido tem que ouvir:
Quer me trancafiar em casa, eu não tenho o que vestir!
Já pensou nos mexericos aos quais fico exposta?
Eu arrumo uma desculpa : digo que estou indisposta.
Não agüento o vexame: numa dessas chances raras,
Vou posar feito palhaça pro fotógrafo de Caras?
Esse nosso casamento só me trouxe privações,
Como ir assim ao teatro, suportar humilhações?
Não sou uma provinciana, também não cheguei de Marte.
Meu azar foi ter casado com quem não gosta de arte!