Flecha
Essa vai para aqueles que atiram para todo lado, um dia a flecha repica e volta contra você. Ai o tiro sai pela culatra, o caçador vira caça e você percebe o quão vazio eram seus meios. A lacuna se preenche e você entende que o sentimento é mais complexo do que suas palavras. Palavras não traduzem sentimentos, mas um pensamento traduz sua vontade. Aquela vontade de querer sempre mais.
A Fé é como um arco e a vida como a flecha: Quanto mais força colocar no arco, mais longe a flecha vai.
Há dias que a sinceridade me irrita, as porcentagens, os tiros certos. Eu amo quando a flecha desvia e acerta onde menos se espera. Dizem os sinceros, que ela errou a trajetória, eu prefiro dizer que ela mudou de ideia e seguiu novos rumos.
Tudo tem volta, me atiraste uma flecha, doeu muito, mas quando eu miro é para matar e bem no coração, vejo teu sangue jorrar.
Atirarei a minha flecha sem direção, porém com certeza que atingirá seu coração, e terei você eternamente para mim.
"Errar por pouco pode ser errar por muito. Quando você tiver apenas uma flecha na aljava, seu erro pode custar sua vida. Nossa existência também é assim, e por isso, não dependa da sorte, mas prudentemente certifique em manter sua aljava cheia".
A arma de fogo superou minha flecha,
Minha nudez se tornou escandalização,
Minha língua foi mantida no anonimato,
Mudaram minha vida, destruíram o meu chão.
Antes todos viviam unidos,
Hoje, se vive separado.
Antes se fazia o Ajuri,
Hoje, é cada um para o seu lado.
Antes a terra era nossa casa,
Hoje, se vive oprimido.
Antes era só chegar e morar,
Hoje, nosso território está dividido.
o amor é como a flecha certeira no ventríloquo misturando todo o sangue levando seus órgãos a loucura.
É preciso lembrar que o tempo aqui não é infinito; ele passa como uma flecha, sem volta e sem replay. Cada fração é importantíssima. Vamos apreciá-lo com cuidado, atenção e carinho.
"Assim como um arco lança uma flecha meus conhecimentos me lançam na vida, e que eu atinja com perfeição o meu alvo, caso contrário serei apenas mais uma flecha desperdiçada."
Flecha tardia
Escrevo porque existe uma área no olho, que não sei nomear, onde a lágrima se deposita antes de rolar para as faces, uma espécie de pequeno leito, uma borda.
Escrevo porque meu corpo tem um ritmo: o coração, o ventre, o estômago, o sistema nervoso, as mãos, o útero.
Escrevo porque não sou eu quem escrevo, mas as palavras a se escreverem, urgentes.
Escrevo porque sou muitas.
Escrevo porque hoje é o amanhã do ontem.
Escrevo porque não é o tempo que passa, mas nós a passarmos e é em nós que existe a duração, esse desvio subjetivo do tempo, em que as coisas perduram, o passado se transforma em presente e o futuro deixa de ser um mistério para se tornar uma vontade.
Escrevo porque morro e ressuscito.
Escrevo porque as palavras são criaturas cheias de dimensões e as coisas podem ser outras.
Escrevo porque os fatos não existem como uma coisa imponderável e fixa.
Escrevo porque acredito. Intransitivamente.
Escrevo porque a morte se insinua em cada desistência.
Escrevo porque Paul Celan, um dia, falou de uma "flecha tardia". Ele a lançou e ela, no futuro em que estou, me atingiu. Quero lançá-la mais adiante.
Escrevo porque Manuel Bandeira disse que Teresa era uma lagarta listrada.
Escrevo porque sou pedra e planta.
Escrevo porque meus pais fugiram do velho mundo, porque existem ainda pessoas fugindo de um país a outro, porque sou também fugitiva, porque a fuga é a condição primária da perda e do encontro.
Escrevo porque não entendo quase nada, porque não sei o pensamento, porque não conheço ninguém.
Escrevo porque amo David Grossman, que escreve tão melhor do que eu.
Escrevo porque escrever é errar e precisamos fugir do acerto.
Escrevo porque habito na iminência e ela habita em mim e porque, na borda do precipício, ou pulo ou contemplo a vertigem.
Escrevo porque entre as palavras existe o silêncio que elas inventam.
Escrevo porque resistir é aumentar o grau de impenetrabilidade.
Escrevo porque é difícil.
Escrevo porque tenho filhos, uma transitoriedade, uma lembrança, um salto.
Escrevo porque existe a nuance, essa nuvem que sopra sobre as coisas fixas.
Escrevo porque sou dinamite.
Escrevo porque aprendi a raiva, nariz comprimido, olhos apertados, peito contraído, potência dirigida.
Escrevo porque o amor é redondo, geodésico, porque ele planta bananeira e porque ele é a casca, o sumo e o caroço.
Escrevo porque sou pó.
Escrevo porque as etimologias me convocam para novas histórias, porque elas querem ser reveladas e porque revelar é também, de certa forma, velar de novo.
Escrevo porque li que, na índia, existe um deus cujo manto é feito de sílabas e porque essas sílabas sustentam o mundo.
Escrevo para entender o que são os metros dáctilo e trocaico.
Escrevo porque Sócrates, antes de morrer, aprendeu a tocar uma fuga na flauta e porque, ao ser perguntado sobre isso disse: quero aprender mais alguma coisa antes de morrer.
Nem sei por que escrevo. Escrevo porque nem sei.
Nem o pavor da noite e nem a flecha que voa de dia te fará mal algum, porque além de te dar vida longa, Deus te protegerá em todos os caminhos e será a todo instante o teu refúgio (Nelson Locatelli, escritor)