Filha mais Velha
Arcaica Alma
Ai de minh'alma velha destituída de par
Que faz minha carne sentir o que está
Onde os idiomas não vão
Solta meus olhos do trânsito
E os arremessa ao horizonte
Sem nada querer ou precisar.
Sra. Solidão
Oh posso sentir no tutano de meus ossos!
Como estalos de chamas lambendo capim seco
Do cerrado que me pariu
Como chuvas que sobre fazendas vão mais violentas
Ou pior, a geada velha, caquética, incomum
De flácidos braços que me constringindo, me constrangem.
Velha história
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no “17”! – o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial… Ora,um dia o homem e o peixinho passeavam na margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado e eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: “Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!…”. Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez um redemoinho, que foi serenando, serenando… até que o peixinho morreu afogado…
A idade de uma mulher deveria estar relacionada a sua capacidade de amar: nenhuma mulher deveria ser considerada velha enquanto seu coração pulsasse impulsionado pela chama do amor.
A velha porteira no cerrado
De madeira e de saudade
Compondo verso calado
E da recordação, suavidade
Suspiros ao coração, alado...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
VELHA PAIXÃO
Enfim, depois de tanto ido no cerrado
Tantos arredores, e dores no coração
Eis que ressurge noutra a velha paixão
Nunca perdida, e ao desejo amparado
É bom sentir o teu perfume ao lado
Com o sussurrar brando e, sensação
Antiga. É bom estar tão apaixonado
E ter-te comigo nesta doce emoção
Se tive no caminhar aquele engano
Tive também o olhar de um querer
Sem disfarçar, burlar ou ser insano
Paixão: sentir que a vida não explica
Que só vai ter, tendo no vário viver
E quando tem, o amor se multiplica!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
17/06/2021, 08’20” – Araguari, MG
VELHA OPINIÃO (soneto)
Só o tempo é que faz poetar a vida
Harmoniza a esperança e dá ação
Põe o antídoto do amor na questão
E no fado faz estória de vinda e ida
O ser depende do grau da emoção
Em nada se pode ter dor resumida
Ou tão pouco ter ânsia embevecida
E ou descrença sem fé no coração
O eterno desejar uma sorte ungida
Faz da trilha um trilhar na contramão
Pois sempre se tem algo de partida
E no perde e ganha, a voz é da razão
Não se tem a felicidade assim parida
Vem com dose de ventura e aptidão
© Luciano Spagnol
poeta do cerrado
16/06/2016
Cerrado goiano
A Velha Estrada
Não adianta tentar fazer novos caminhos,
quando é mais fácil conserta a velha estrada.
Tempo.
Tão rápido, cruel.
Irremediável, Tempo.
Torna-me velha, sabia, talvez.
O Tempo se perde, e nós nos perdemos no Tempo.
Com o tempo.
Me tira quem amo, cura minhas feridas;
Bipolar, este Tempo.
Ora bom, ora ruim.
O pior medo que o Tempo me trás é o medo de perder.
Perder alguém, perder algo, ou ser a perda.
Medo da dor da perda, medo da falta, medo da vida, medo da morte.
Inútil medo, pois tudo se perde.
Sentir medo do Tempo, medo da perda,
É perda de tempo.
Estou ficando velha. Me sinto tão fora de época.
Sou jovem de idade, mas tão castigada pelo tempo na alma.
Sou ranzinza com crianças, meus valores são corretos até demais pros tempos atuais. Os papos da galera não me interessam o bastante, por isso às vezes falo sozinha e logo perguntam se estou ficando louca. Sim, eu digo, estou gagá.
Como não ficar depois de se ter vivido tão pouco e já ter tristeza na alma que equivalem a três vidas…
Pelo que sei já se vai um tempinho desde que Deus criou a lua. Como então alguém vem e te pergunta: Você viu ontem a "Lua Nova"? Não! Vi a lua velha...
Quando criança, tinha plena convicção que um dia alcançaria grandes riquezas. Hoje, adúlto poderia me frustrar ao ter uma convicção maior ainda sobre a vida de um jovem interiorano. So quero dar uma esperança pra minha velha mãe.
Todos nós temos pudores, coisas das quais não aceitamos no próximo e que nos afasta um dos outros. Até aí todos concordam? Ótimo. Bem, a incoerência é uma das coisas que me causam calafrio. A incoerência não anda, não se mexe, não desatina. Não se faz nem um lanche de mortadela com a incoerência. Eu disse que ela era incoerente mas bem que poderia dizer que ela era omissa e submissa. Tem a ligeireza de uma velha com artrose. A rapidez de um cavalo manco.
Aquela velha rua me trás saudades de velhos momentos que ali aconteciam.
Aquela velha rua, com a velha simpática, falastrona e cheia de boas histórias e estórias sentada à calçada.
Aquela velha rua, cheia de velhas casas com toda a simplicidade de um lar cuidado com carinho, onde o amor reinava.
Aquela velha rua, com os velhos de hoje, sendo crianças brincando com as velhas brincadeiras.
Aquela velha rua me faz querer trocar o novo pelo velho.
Trocar o atual pelo antigo.
Quem dera poder voltar ao velho tempo, naquela velha rua, com os velhos de lá, com as velhas brincadeiras e as velhas casas, mas com todos aqueles momentos que não ficam velhos em minha memória.