Fernando Pessoa Alma
Passa uma nuvem pelo sol.
Passa uma pena por quem vê.
A alma é como um girassol:
Vira-se ao que não está ao pé.
Passou a nuvem; o sol volta.
A alegria girassolou.
Pendão latente de revolta,
Que hora maligna te enrolou?
Vai alta a nuvem que passa
vai alto meu pensamento
que é escravo da tua alma]
como a lua o é do vento
Ambos á beira do poço
achamos que é muito fundo
deita-se a pedra e o que ouço
teu olhar que é meu mundo
todas as coisas que dizem
afinal não são verdades
mas se nos fazem felizes
isso é felicidade
ADEUS...
ADEUS…
O navio vai partir, sufoco o pranto
Que na alma faz nascer cruel saudade;
Só me punge a lembrança que em breve há-de
Fugir ao meu olhar o teu encanto.
Não mais ao pé de ti, fruindo santo
Amor em sonho azul; nem a amizade
De amigos me dará felicidade
Igual à que gozei contigo tanto.
Dentro do peito frio meu coração
Ardendo está co'a força da paixão,
Qual mártir exilado em gelo russo...
Vai largando o navio p'ra largo giro:
Eu meu «adeus» lhe envio n'um suspiro,
Ela um adeus me envia n'um soluço.
Eu sou o disfarçado, a máscara insuspeita.
Entre o trivial e o vil m[inha] alma insatisfeita
Indescoberta passa, e para eles tem
Um outro aspecto, porque, vendo-o, não a vêem,
Porque adopto o seu gesto, afim que […]
Julga o vil que sou vil, e, porque não me
No meandro interior por onde é vil quem é
Julga-me o inábil na vileza que me vê.
Assim postiço igual dos inferiores meus,
Passo, príncipe oculto, alheio aos próprios véus,
Porque os véus que me impõe a urgência de viver,
São outro modo, e outra (...), e outro ser:
Porque não tenho a veste e a púrpura visível
Como régio meu ser não é aceite ou crível;
Mas como qualquer em meu gesto se trai
Da grandeza nativa que irreprimível sai
Um momento de si e assoma ao meu ser falso,
Isso, porque desmancha a inferioridade a que me alço,
Em vez de grande, surge aos outros inferior.
E aí no que me cerca o desconhecedor
Que me sente diferente e não me pode ver
Superior, julga-me abaixo do seu ser.
Mas eu guardo secreto e indiferente o vulto
Do meu régio futuro, o meu destino oculto
Aos olhos do Presente, o Futuro o escreveu
No Destino Essencial que fez meu ser ser eu.
Por isso indiferente entre os triviais e os vis
Passo, guardado em mim. Os olhares subtis
Apenas decompõem em postiças verdades
O que de mim se vê nas exterioridades.
Os que mais me conhecem ignoram-me de todo.
Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.