Poemas de Eugénio de Andrade
Entre os teus lábios é que a loucura acode,
desce à garganta, invade a água.
No teu peito é que o pólen do fogo
se junta à nascente, alastra na sombra.
CORAÇÃO HABILITADO...
Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
Frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.
Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.
Alguns pensam que são as mãos de Deus,
- Eu sei que são as mãos de um homem,
trêmulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram indiferentemente.
Não lhes toquem: São amor e bondade.
Mais ainda: Cheiram a madressilva.
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Nem os olhos sabem que dizer
a esta rosa da alegria,
aberta nas minhas mãos
ou nos cabelos do dia...
Eu nem sequer gosto de escrever, Acontece-me às vezes estar tão desesperado que me refugio no papel como quem se esconde para chorar. E o mais estranho é arrancar da minha angústia palavras de profunda reconciliação com a vida.