Escritores Brasileiros
É difícil, estando acordado, sonhar livremente nos meus remotos mistérios.
Sei que o que escrevo aqui
não se pode chamar de
crônica nem de coluna nem
de artigo. Mas sei que hoje é
um grito. Um grito! de
cansaço. Estou cansada! É
óbvio que o meu amor pelo
mundo nunca impediu
guerras e mortes. Amar
nunca impediu que por
dentro eu chorasse lágrimas
de sangue. Nem impediu
separações mortais. Filhos
dão muita alegria. Mas
também tenho dores de parto
todos os dias. O mundo
falhou pra mim, eu falhei
para o mundo. Portanto não
quero mais amar. O que me
resta? Viver automaticamente
até que a morte natural
chegue. Mas sei que não
posso viver automaticamente:
preciso de amparo e é do
amparo do amor.
Os livros que têm resistido ao tempo são os que possuem uma essência de verdade, capaz de satisfazer a inquietação humana por mais que os séculos passem.
Durante toda a minha vida, entendi o amor como uma espécie de escravidão consentida. É mentira: a liberdade só existe quando ele está presente. Quem se entrega totalmente, quem se sente livre, ama o máximo.
E quem ama o máximo, sente-se livre.
Por causa disso, apesar de tudo que posso viver, fazer, descobrir, nada tem sentido. Espero que este tempo passe rápido, para que eu possa voltar à busca de mim mesma - encontrando um homem que me entenda, que não me faça sofrer.
Mas que bobagem é essa que estou dizendo? No amor, ninguém pode machucar ninguém; cada um de nós é responsável por aquilo que sente, e não podemos culpar o outro por isso.
Já me senti ferida quando perdi os homens pelos quais me apaixonei. Hoje estou convencida de que ninguém perde ninguém, porque ninguém possui ninguém.
Essa é a verdadeira experiência da liberdade: ter a coisa mais importante do mundo, sem possuí-la.
(Trecho do livro Onze Minutos)
...o amor é uma
doença da qual ninguém quer livrar-se. Quem foi atacado por ela não
procura restabelecer-se, e quem sofre não deseja ser curado.
Tenho a felicidade de escrever os meus melhores versos. Melhor do que isso não posso fazer.
...tanto que me vinha a vontade, se pudesse, nessa caminhada, eu carregava Diadorim, livre de tudo, nas minhas costas.
(Grande Sertão: Veredas, p . 388)
O que está escrito aqui, meu ou de Ângela, são restos de uma demolição de alma, são cortes laterais de uma realidade que se me foge continuamente. Esses fragmentos de livro querem dizer que eu trabalho em ruínas.
Eu sei que este livro não é fácil, mas é fácil apenas para aqueles que acreditam no mistério. Ao escrevê-lo não me conheço, eu me esqueço de mim. Eu que apareço neste livro não sou eu. Não é autobiográfico, vocês não sabem nada de mim. Nunca te disse e nunca te direi quem sou. Eu
sou vós mesmos. Tirei deste livro apenas o que me interessava – deixei de lado minha história e a história de Ângela. O que me importa são instantâneos fotográficos das sensações – pensadas, e não a pose imóvel dos que esperam que eu diga: olhe o passarinho! Pois não sou fotógrafo de rua.
Já li este livro até o fim e acrescento alguma notícia neste começo. Quer dizer que o fim, que não deve ser lido antes, se emenda num círculo ao começo, cobra que engole o próprio rabo. E, ao ter lido o livro, cortei muito mais que a metade, só deixei o que me provoca e inspira para a vida: estrela acesa ao entardecer.
Não ler o que escrevo como se fosse um leitor. A menos que esse leitor trabalhasse, ele também, nos solilóquios do escuro irracional.
Se este livro vier jamais a sair, que dele se afastem os profanos. Pois escrever é coisa sagrada onde os infiéis não têm entrada. Estar fazendo de propósito um livro bem ruim para afastar os profanos que querem “gostar”. Mas um pequeno grupo verá que esse “gostar” é superficial e entrarão adentro do que verdadeiramente escrevo, e que não é “ruim” nem é “bom”.
Carta
Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as noticias.
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo, estes sinais em mim, não das carícias (tão leves) que fazias no meu rosto: são galopes, são espinhos, são lembranças da vida a teu menino, que ao sol-posto perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir, quando dizias "Deus te abençoe", e a noite abria em sonho.
É quando, ao desperta, revejo a um conto a noite acumulada de meus dias, e sinto que estou vivo, e que não sonho.
(Lições de coisas)
Diz o mestre:
Escreva. Seja uma carta, ou um diário, ou algumas anotações enquanto fala ao telefone - mas escreva.
Escrever nos aproxima de Deus e do próximo.
Se você quiser entender melhor seu papel no mundo, escreva.
Procure colocar sua alma por escrito, mesmo que ninguém leia-ou,o que é pior,mesmo que alguém termine lendo o que você não queria O simples fato de escrever nos ajuda a organizar o pensamento e ver com clareza o que nos cerca.Um papel e uma caneta operam milagres-curam dores,consolidam sonhos,levam e trazem a esperança perdida.
A PALAVRA TEM PODER.
(Maktub)
"Hoje eu queria ler uns livros que não falam de gente, mas só de bichos, de plantas, de pedras: um livro que me levasse por essas solidões da Natureza, sem vozes humanas, sem discursos, boatos, mentiras, calúnias, falsidades, elogios, celebrações...hoje eu queria apenas ver uma flor abrir-se, desmanchar-se (...)."
Dedicatória
Cruz
Que este livro galante,
ante
Teus olhos, lembre um dia,
Quem to oferece nesta
Festa
De anos e de alegria.
Pequeno ele é e modesto.
Mesto
Quase sempre e tristonho;
Não roubará, no entanto,
Quanto
Tens de ilusão e sonho.
Aquela, que hás de agora,
Hora
Tirar (sem percebê-lo),
Das que em teus anos verdes
Perdes;
Não perderás ao lê-lo.
Lê com vagar. Repara
Para
A beleza do verso;
Vê como o vate ardente
Sente
O mundo tão diverso!...
Mas, que não te entristeças;
Nessas
Linhas, não há verdade.
Vive sempre a florida
Vida
Entre a felicidade.
Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. é também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler
perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras – e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão.
Escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece uma cor e não uma palavra.
Escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida.
Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de esperança. Jamais os livros diriam coisas belas, nunca mais seria escrito um verso de amor. Sobre toda a beleza do mundo, sobre a farinha e o pão, sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre teus olhos também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria nenhuma parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã saberei de novo palavras doces e frases cariciosas. Hoje só sei palavras de ódio, palavras de morte. Não encontrarás um cravo ou uma rosa, uma flor na minha literatura. Mas encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás uma arma contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as trevas e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses restos de podridão que sonharam esmagar a poesia, o amor e a liberdade!
Nem a rosa, nem o cravo..., Folha da Manhã, 1945