Escritores
Os escritores raramente escrevem o que pensam. Limitam-se a escrever o que pensam que os outros pensam que eles pensam.
Os grandes escritores nunca foram feitos para se submeter à lei dos gramáticos, mas para imporem a sua.
Advogados, médicos, bombeiros mecânicos, eles é que ficavam com a grana toda. Escritores? Os escritores morriam de fome. Os escritores se suicidavam. Os escritores enloqueciam.
Termino o livro e fecho o computador sabendo que por mais que os escritores
escrevam, os músicos componham e cantem, os pintores e escultores joguem
com formas, cores e luzes -, por mais que o contexto paralelo da arte expresse o
profundo contraditório sentimento humano, embora dance à nossa frente e
nos convoque até o último fio de lucidez, o essencial não tem nome nem forma:
é descoberta e assombro, glória ou danação de cada um.
Caça
Por que é importante ler? Pergunta recorrente em qualquer encontro de escritores com estudantes. E a gente acaba desfiando um rosário de respostas prontas, um blá blá blá repetitivo, apesar de necessário. Mas hoje vou dar um exemplo prático. Estava lendo uma revista - nem era um livro - quando me deparei com uma entrevista feita com o chef Philippe Legendre, estrela da gastronomia francesa de quem nunca provei um ovo frito. Ignorante sobre quem era o cara, li. Lá pelas tantas, o repórter: "É verdade que o senhor adora caçar?" O chef: "Eu caço o silêncio. Atiro no barulho."
Bum!
Perdizes, faisões, coelhos, sei lá o quê o tal homem caça todo final de semana - e nem me interessa. O importante foi o impacto causado por aquelas duas frasezinhas curtas que pareciam um poema e que empurraram meu pensamento para além daquelas páginas, me puseram a pensar sobre minhas próprias perseguições. Caço o silêncio. Atiro no barulho. Eu idem, monsieur.
Eu caço o sossego. Atiro na tevê.
Eu caço afeto. Atiro em gente rude.
Eu caço liberdade. Atiro na patrulha.
Eu caço amigos. Atiro em fantasmas.
Eu caço o amanhã. Atiro no ontem.
Eu caço prazeres. Atiro no tédio.
Eu caço o sono. Atiro no sol.
E quando caço o sol, atiro em relógios. Acho que é isto que a leitura faz. Nos solta na floresta com uma arma na mão. Nos dá munição para atirar em tudo o que nos distrai de nós mesmos, no que nos desconcentra. O livro não permite que fiquemos sem nos escutar. A leitura faz eu mirar em mim e acertar no que eu nem sabia que também sentia e pensava. E, por outro lado, me ajuda a matar tudo o que pode haver em mim de limitante: preconceitos, idéias fixas, hipocrisias, solenidades, dores cultuadas.
Lendo, eu caço a mim e atiro em mim.
As pessoas precisam de conectores, escritores, heróis, estrelas, líderes para dar sentido à vida. A caixa de areia de uma criança virada para o sol. Soldados de plástico na guerra suja em miniatura. Fortalezas. Navios de guerra de garagem. Rituais, teatro, danças para reafirmar necessidades tribais & memórias, um chamamento para o culto, unindo acima de tudo, um estado anterior, um desejo da família e a magia certa da infância.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Nota: Trecho do poema "Autopsicografia", de Fernando Pessoa.
Basta ler meia página do livro de certos escritores para perceber que eles estão despontando para o anonimato.
É hora de os escritores admitirem que nada neste mundo faz sentido. Só tolos e charlatães pensam que sabem e compreendem tudo. Quanto mais estúpidos são, mais amplos supõem ser seus horizontes. E se um artista decide declarar que não entende nada do que vê — isto por si só constitui uma considerável clareza na esfera do pensamento e um grande passo adiante.
Escritores não são exatamente pessoas. Se forem bons, eles são um monte de pessoas tentando se transformar em uma pessoa só.
Estamos convencidos de que os grandes escritores colocaram a sua própria história nas suas obras. Pinta-se bem apenas o próprio coração, atribuindo-o a um outro.
Não quero outro exemplo a não ser aquele dos escritores, dos quais se pode dizer que arrancam a pele um do outro e nunca deixam de roubar aqui e ali de tempos em tempos; e cada um ostenta o que pertence ao outro como se fossem as suas próprias descobertas.
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