Escritor
Mas aí, no último minuto da conversa, antes de fechar a porta, eu disse que ele só era capaz de se relacionar com pessoas tipo maçãs: homogêneas, cansativas, bonitas por fora, medíocres, com quem ele pudesse conviver tranquilamente sem se preocupar com a casca, os caroços. Alguém que desse pra segurar pelo cabinho, sem sujar as mãos.
Você embaralhou minha cabeça desde o primeiro contato e me enlouqueceu ao fugir da confusão que teus beijos causaram quando tocaram meus lábios. Restaram alguns fantasmas possessivos e uma esperança que se cansa fácil de rotina. A cada neblina um pesadelo falece enquanto outro nasce. Te amar é viver irreversivelmente no olho do furacão.
Tô resolvendo umas coisas aqui, tentando arrumar o que está errado, está mais do que na hora. Achei necessário, por exemplo, abrir mão de algumas pessoas para me aproximar de outras. Tem gente que atrapalha um pouco a caminhada.
Não demora muito e eu canso, procuro defeito onde não tem ou me empolgo demais. Eu meio que estrago as coisas.
Lá fora o mundo te maltrata. As pessoas te olham torto, te empurram nas filas, não te respeitam dentro dos ônibus, te xingam nas esquinas, procuram bater boca por besteira. Parecem um bando de animal que não deu muito certo. Eu fico na minha, mal me movo. Não sei mais lidar com pessoas.
De todos os tipos de pessoas que conheci, das mais talentosas, complicadas e intensas, e que de alguma forma modificaram meus conceitos, eu sempre gostei mais daquelas que sabem nos tocar sem nem precisar encostar um dedo; só pelo olhar, pelo silêncio. Sempre gostei das que entram inteiras quando a gente já se acostumou ou se contentou com metades.
Chorei desesperadamente ao sair daquele lugar. E chorei ainda mais quando cheguei em casa e lembrei daquilo tudo que tinha acontecido.
Foi então que eu resolvi esquecê-lo, ainda que doesse e doesse muito até o último fio de cabelo. Mas eu não podia negar que o rapaz por quem ele se apaixonou é surrealmente mais bonito do que eu. Parece ser mais alto e bastante engraçado. Ele tem mais amigos, deve ser legal com as pessoas, não deve ser tão dramático. O cabelo dele é melhor que o meu, tem um brilho absurdo, irradiante, fantástico até. Ele sorri nas fotos, parece ser mais inteligente, aparentemente parece ter mais cultura. Deve ter viajado muito, deve conhecer lugares à beça, deve gostar das mesmas coisas que ele gosta. Vi que tem um corpo mais forte, uma disposição que não tenho nos olhos, deve se doar bem menos do que eu. Não deve ficar reclamando das coisas o tempo inteiro, nem deve levar as coisas tão a sério. Acho que esse menino deve merecê-lo mesmo. Deixa pra lá.
E aí depois daquele dia, eu não o procurei mais. Não estava a fim de bancar o compreensível. Preferi evitar conversa.
Parece que a gente procura exatamente o que é capaz de doer ainda mais fundo, qualquer coisa que seja capaz de sangrar, pisotear. Colecionamos palavras malditas, escolhemos a música perfeita, melancólica. Aí assistimos o filme novamente, relemos o bilhete deixado, nos maltratamos sem nenhuma dó. A gente mesmo provoca punhaladas nas costas quando inventa de revirar cada palavra, cada melodia, cada cena, tudo milimetricamente desordenado, até a dor ser consumida, ser abafada ou transformada em outra coisa.
E principalmente à noite, antes de dormir, fico pensando que nunca mais vai acontecer de novo, que durou muito pouco, e que vai ficar marcado para sempre.
Uma gente que esquece da outra com facilidade. Que se diz amiga, mas some no momento exato que você precisa.
Agora, mais do que nunca, eu precisava ir adiante. Precisava ir além desses pensamentos mesquinhos e limitados.