Epígrafes de Rubem Alves
“A “história” nos abre o mundo das coisas acontecidas no passado. Mas as “estórias” nos levam para o mundo das coisas que nunca aconteceram e só existem na imaginação”.
( em “Se eu pudesse viver minha vida novamente...”. [Organização Raissa Castro Oliveira]. 21ª ed., Campinas/SP: Editora Verus, 2010, 142.)
“A arte chinesa: já notaram que seus cenários aparecem sempre cobertos por neblinas? Estão lá porque a alma precisa delas... A vida é cheia de neblinas”...
(trecho de “Neblina” do livro em PDF: do universo à jabuticaba)
Ninguém consegue tirar das coisas, incluindo os livros, mais do que aquilo que ele já conhece. Pois aquilo a que alguém não pode chegar por meio da experiência, para isso ele não terá ouvidos.
(do livro em PDF: Se eu pudesse viver minha vida novamente)
“Que mintam, mas que respeitem a minha inteligência! Mintam usando a imaginação! Por isso escrevia, em nome da inteligência, do possível e do humor: “Queremos mentiras novas!”
(trecho extraído do livro em PDF: ostra feliz não faz pérola)
Sem inveja “O tico-tico não se ressente do canto da patativa, e até mesmo o aprova, achando melodioso. Mas, se não canto como você canta, você me chama de mentiroso".
(Angelus Silesius, século XVII)
(extraído do livro em PDF: ostra feliz não faz pérola)
O mundo humano, que é feito com trabalho e amor, é uma página em branco na
sabedoria que nossos corpos herdaram de nossos antepassados.
Nossa tradição filosófica fez seus sérios esforços no sentido de demonstrar que o homem é um ser racional, ser de pensamento. Mas as produções culturais que saem de suas mãos sugerem, ao contrário, que o homem é um ser de desejo. Desejo é sintoma de privação de ausência.
Há propriedades que, para se fazerem sentir e valer dependem exclusivamente
de si mesmas, Por- exemplo, antes que os homens existissem já brilhavam as
estrelas, o sol aquecia, a chuva caia e as plantas e bichos enchiam o mundo. Tudo
isto existiria e seria eficaz sem que o homem jamais existido, jamais pronunciado
uma palavra, jamais feito um gesto. E é provável que que continuaram, mesmo
depois do nosso desaparecimento. Trata-se de realidades naturais, independente do
desejo, da vontade, da atividade prática dos homens.
Há também gestos que
uma eficácia em si mesmos. O dedo que puxa o gatilho, a mão que faz cair a
bomba, os pés que fazem a bicicleta andar: ainda que o assassinado nada saiba e não
ouça palavra alguma, ainda que aqueles sobre quem a bomba explode não recebam
antes explicações, e ainda que não haja conversação entre os pés e as rodas — não
importa, os gestos têm eficácia própria e são, praticamente habitantes do mundo
da natureza.
Uma pedra não é imaginária. Visível, concreta. Como tal, nada tem de religioso.
Mas no momento em que alguém lhe dá o nome de altar, ela passa a ser circundada de
uma aura misteriosa, e os olhos da fé podem vislumbrar conexões invisíveis que a
ligam ao mundo da graça divina. E ali se fazem orações e se oferecem sacrifícios.
Pão, como qualquer pão, vinho, como qualquer vinho. Poderiam ser usados
numa refeição ou orgia: materiais profanos, inteiramente. Deles não sobe
nenhum odor sagrado. E as palavras são pronunciadas: "Este é o meu corpo, este é
o meu sangue. . ." — e os objetos visíveis adquirem uma dimensão nova, e passam a
ser sinais de realidades invisíveis.
A existência da água e do ar, a alternância entre o dia e a noite, a composição do ácido sulfúrico e o ponto de congelamento da água em nada dependem da vontade do homem. Ainda que ele nunca tivesse existido, a natureza estaria aí, passando muito bem, talvez melhor...
Aqueles que duvidam ou propõem novos
sistemas de ideias, ou são loucos ou são ignorantes, ou são iconoclastas irreverentes
Perde a natureza sua aura sagrada. Nem os céus proclamam a glória de Deus, como
acreditava Kepler, e terra anuncia o seu amor. Céus e terra não são o poema de um ser supremo invisível. E é por isto que não existe nenhum interdito, nenhuma
proibição, nenhum tabu a cercá-los. A natureza é nada mais que uma fonte de
matérias-primas, entidade bruta, destituída de valor. O respeito pelo rio e pela fonte.
Há certas situações em que as palavras deixam de significar, abandonam o mundo
da verdade e da falsidade, e passam a existir ao lado das coisas.
Nascemos fracos e indefesos; incapazes de sobreviver como indivíduos isolados; recebemos da sociedade um nome e
uma identidade; ( ... ) É compreensível que ela seja o Deus que todas as religiões adoram...
Este mundo ignora os elementos espirituais. Salários e preços não são estabelecidos nem pela religião e nem pela ética.
A riqueza se constrói por meio de uma lógica duramente material: a lógica do lucro, que não conhece a compaixão.
E, da mesma forma como é inútil tentar apagar o fogo assoprando a fumaça,
também é inútil tentar mudar as condições de vida pela crítica da religião. A
consciência da fumaça nos remete ao incêndio de onde ela sai. De forma idêntica, a
consciência da religião nos força a encarar as condições materiais que a produzem.
o trabalho não é atividade
que dá prazer, mas atividade que dá sofrimento. O homem trabalha porque não tem
outro jeito. Trabalho forçado. Seu maior ideal: a aposentadoria. O prazer, ele irá
encontrar fora do trabalho. E é por isto que ele se submete ao trabalho e ao pago do
salário.