Epígrafes de Rubem Alves

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A cultura não surge no
lugar onde o homem domina a natureza

Há propriedades que, para se fazerem sentir e valer dependem exclusivamente
de si mesmas, por exemplo, antes que os homens existissem já brilhavam as
estrelas, o sol aquecia, a chuva caia e as plantas e bichos enchiam o mundo.

Coisas que nada significam podem passar a significar, por meio de um artifício.

Compreende-se que o que as pessoas têm normalmente em suas cabeças não seja

conhecimento, não seja ciência, mas pura ideologia, fumaças, secreções, reflexos de um

mundo absurdo.

E é aqui que aparece a religião, em parte para iluminar os cantos escuros do

conhecimento. Mas, pobre dela. . . Ela mesma não vê. Como pretende iluminar?

Ilumina com ilusões que consolam os fracos e legitimações que consolidam os fortes.

E, desta forma, as palavras que brotam do sofrimento se transformam,
elas mesmas, no bálsamo provisório para uma dor que ele é impotente para
curar. E é por isto que é ópio, "felicidade ilusória do povo", que deve
ser abolida como condição de sua verdadeira felicidade. Mas o
abandono das ilusões não se consegue por meio de uma atividade
intelectual. As pessoas não podem ser convencidas a abandonar suas
ideias religiosas. Ideias são ecos, fumaça, sintomas... Se elas têm tais ideias
é porque a sua situação as exige. É necessário, então, que sua situação seja
mudada, as fendas curadas, para
que as ilusões desapareçam.

Deus é este coração fictício que o desejo inventou, para

tornar o universo humano e amigo. E então a própria morte perdeu o seu caráter

ameaçador. As religiões são, assim, ilusões que tornam a vida mais suave. Narcóticos.

Como diria Marx: o ópio do povo.

Mas, não é verdade que toda sociedade tem uma classe dominante e uma classe

dominada? Uma classe que pode e outra que não pode? Uma classe forte e uma classe

fraca? Até mesmo as crianças e velhos sabem disto — especialmente as crianças e

velhos. E também os migrantes, e os camponeses assolados pela seca, e os doentes que

morrem sem atendimento médico. . . e assim por diante. E a conclusão que se segue,

necessariamente, é que os sonhos dos poderosos têm de ser diferentes dos sonhos

dos oprimidos. E também suas religiões. ..

Pode ser que não acreditemos em deuses, mas bem que desejaríamos que eles existissem.

Meus sonhos? Sonho em ter tempo para curtir as montanhas e cachoeiras das Minas Gerais. Sonho em ter tempo para vagabundear. Sonho em ter tempo para brincar com minhas netas. Sonho em escrever uns livros que estão na minha cabeça e que não consigo escrever por falta de tempo.

A Morte não é algo que nos espera no fim. É companheira silenciosa que fala com voz branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos convidando à sabedoria de viver. A branda fala da Morte não nos aterroriza por nos falar da Morte. Ela nos aterroriza por nos falar da Vida. Na verdade, a Morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria Vida, as perdas, os sonhos que não
sonhamos, os riscos que não tomamos (por medo), os suicídios lentos que perpetramos. Embora a gente não saiba, a Morte fala com a voz do poeta. Porque é nele que as duas, a Vida e a Morte, encontram-se reconciliadas, conversam uma com a outra, e desta conversa surge a Beleza... Ela nos convida a contemplar a nossa própria verdade. E o que ela nos diz é simplesmente isto: “Veja a vida. Não há tempo a perder. É preciso viver agora! Não se pode deixar o amor para depois...”.
(Do universo à jabuticaba)

Saudade...
A Saudade se parece muito com a fome
A fome também é um vazio
O corpo sabe que alguma coisa está faltando
A fome é a saudade do corpo
A saudade é a fome da alma...

Ostra feliz não faz pérola.

As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.

Rubem Alves
Religião e Repressão. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

Longe do outro é possível amá-lo. Na distância ele não perturba sua bela imagem. Ela está no retrato, como sempre esteve, congelada eternamente.

Somos donos dos nossos atos, mas não somos donos dos nossos sentimentos. Somos culpados pelo que fazemos, mas não somos culpados pelo que sentimos. Podemos prometer atos. Não podemos prometer sentimentos. “Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida vou te amor...” Lindo e mentiroso. Não se podem prometer sentimentos. Eles não dependem da nossa vontade. Sua existência é efêmera. Como o voo dos pássaros...

Rubem Alves
Ostra feliz não faz pérola. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008.

Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas.

“... O Pensamento é uma coisa existindo na imaginação antes de ela se tornar real.
A mente é o útero. A imaginação a fecunda. Forma-se um feto: o pensamento. Ai, ele nasce...!”

“.... Devemos perdoar a nós mesmos.
Não haverá condição de perdão para o outro, senão limpar o caminho que está dentro de você. Quando você perdoa o outro e não perdoa a si pelos erros cometidos, esses se transformam em culpa e o caminho continua fechado para todas as pessoas envolvidas, principalmente para você...! ”

Literatura é mostrar conchinhas.

"Os que têm medo sonham. Porque tenho medo da cidade grande onde me perco eu sonho com cidade grande que posso amar. É uma utopia. Não existe. Mas não tem importância. Valéry perguntou: “Que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?” O que não existe socorre. Oscar Wilde, que sabia do socorro das coisas que não existem, escreveu: “Um mapa do mundo que não inclua o país da Utopia não merece nem mesmo um olhar, pois ignora o único país ao qual a Humanidade constantemente chega. E quando a Humanidade lá atraca, fica alerta, e levanta novamente as âncoras ao vislumbrar terra melhor…”."