Epígrafe Maternidade
Mãe é aquela que gera, é aquela que ama
É aquela que canta canção de ninar
E que num abraço faz o medo passar
Mãe é aquela que adota, que chama de filho
Que pega na mão e te ensina a andar
Te deita no colo e ensina a amar
Qualquer coisa que eu diga, vai ser pouco demais
Só falar "eu te amo, mãe", vai faltar algo a mais
Quero te agradecer por me deixar nascer
Sei que você passou noites maldormidas
Muito obrigado, mãe, por ter me dado a vida
ADEUS MAMÃE
Hoje eu estava tão contente mamãe. Sonhava em nascer nesta era pós-moderna, quando os direitos da mulher são cada vez mais reconhecidos.
Sabe mamãe, eu a amo muito, desde o momento de minha concepção. Meu sonho foi interrompido, com apenas quatro semanas de vida.
Sem defesa, não tive a felicidade de ser carregada no seu ventre, embalada nos seus braços, dormir no seu colo, mamar no seu seio, crescer ao seu lado como boas amigas.
Não consegui festejar o meu primeiro aniversário. Meus quinze anos, que festa bonita teria sido. Gostaria tanto de estudar e ter uma profissão independente, afinal, são os novos tempos de inclusão social da mulher.
Chegaria a hora de namorar, com sua permissão e, entrar emocionada na igreja para receber a benção de uma nova família.
Ser mãe era o meu grande sonho.
A senhora, defensora dos direitos da mulher permitiu a ocorrência do crime de feminicídio, cuja a vítima é sua filha.
O seu egoísmo mamãe a levou a pratica de uma conduta ilícita. A senhora é dona de sua vida mas não é dona da minha vida.
Não me deixou viver mamãe.
Excluiu-me da alegria, do prazer e da graça de viver.
Hoje mesmo volto para o CRIADOR, levando comigo a
Tênue lembrança da minha existência terrena.
Adeus mamãe, não sinto nenhuma magoa da senhora.
Rogo a Justiça Divina que tenha com a senhora a misericórdia infinita e lhe conceda o perdão, pois, de mim a senhora está perdoada.
Um abraço e um beijo de sua filha querida.
( Oscar Terebinto)
Sobre as pequeninas mãos de um bebê, me ponho a pensar:
Nossa mão , lembra que a mão foi o primeiro prato da humanidade , foia mão o primeiro copo e a primeira almofada para repousar a cabeça, Mão que serve para falar , que serve para lutar , para amar e para trabalhar ...Que possam essas mãos um futuro lindo talhar.
Na minha juventude
Eu tinha vaidade
Usava chapéu de lebre
Minha esposa
Vestidos bordados
Quando vieram meus filhos
Deixei de importar comigo
E com as coisas de luxo
Fiquei simples
Pobre
Todo investimento
Se escoou para os primogênitos
Com o desapego
Aprendi a ser rico.§
Reflexões da maturidade
Hoje compreendo o mor de uma forma mais universal. Coisa estranha, mas é assim. Aliás, eu ando com um conceito de amor muito particular.
Não me sinto obrigada a amar mais a alguém pelo simples laço sanguineo, ou compromissos civis. O meu amor é entre iguais. Entre pessoas que se respeitam, mesmo com todas as diferenças.
Não me prendo mais em preocupacões maternais (passou a fase da leoa), mesmo porque mãe preocupada, é uma coisa e mãe amorosa é outra bem diferente! Nem tenho mais o hábito de ficar medindo a quantidade e a qualidade do amor que eu recebo dos outros. Cada um doa aquilo que tem dentro de si. O amor não poderá jamais ser medido em quantidade ou volume.
Aprendi com o passar dos anos que, o amor é um sentimento que cura e que doá-lo a quem está necessitado é um ato que nos fortalece muito interiormente. Tolerância e compreensão na dose certa e uma pitada de afetuosidade, podem fazer grandes transformacões em nossas vidas. E o principal: nunca espere que te amem tanto o quanto você ama, nem tão pouco que dure para sempre. Apenas, ame hoje!
Uma foto rasgada, mais uma memória encontrada, entre tantas que já esqueci.
Cada lágrima secada, cada dor aliviada e tantas lições que aprendi.
Você sempre me cuidando, perdendo noites de sono, deixando de cuidar de ti.
Preocupada com minha saúde, impressionada com a juventude, mas sempre disposta a estar ali.
Disse não tantas vezes, querendo dizer sim. Escutando choros e manhas, buscando o melhor pra mim. Também foram muitos momentos em que disse sim precisando dizer não, deixou de pensar com a cabeça, pra pensar com o coração. Aquela boneca tão cara, aquela sua jóia rara, a fatura do cartão.
E muito mais que dinheiro, foram tantos anseios, tantos ensinamentos, tanta dedicação.
Um dia é pouco pra te dedicar, uma vida é curta pra te agradecer e um presente é insuficiente pra te demonstrar.
Mas cada conquista minha vai te emocionar, pois eu não esqueço aquele teu dizer "que pra uma mãe, ver o seu filho brilhar, é a melhor coisa que se pode ter". Por isso, tudo que eu faço também é por você. A cada objetivo alcançado, não tem como te esquecer. Eu posso ir até mais pra longe, mas eu volto pra te ver.
Te contar, te homenagear, e também te fazer entender:
"As mães criam os filhos pro mundo, mas o mundo há de reconhecer! "
Conta Comigo
Eu sou o sol, tu és a lua.
Se és as palavras então eu sou a melodia.
Se és o coração então eu sou a batida.
E, de alguma forma, completamo-nos.
Ás vezes o meu mundo está triste e a chuva caí.
Mas onde tu estiveres, o sol aparece!
Quando estás longe, sinto-me que estás por perto.
Serás sempre quem eu mais amo.
Estás no meu coração, na minha mente, estás por abaixo da minha pele.
Em qualquer lugar, a qualquer altura que precises, conta comigo!
Não preciso de dizer nem uma palavra.
Pois tu já sabes quando estou feliz ou magoado.
Porquê que me fazes sentir melhor só com um olhar?
Serás sempre quem eu mais amo.
Conta Comigo!
A dificuldade e a falta de oportunidade para desempenhar com exito os papeis pré marcados familiares dentro da atual sociedade, motivam a opção trans, a submissão e a desconfiança nas novas gerações. A dificuldade de fazer o que se quer e assumir os valores das escolhas também é vertente de infelicidade.Mas o gravame maior são as tutelas remendadas do meio, da família e da comunidade.
XEQUE-MATE, BABACA!
A partida já durava pouco mais de 45 minutos, uma pequena eternidade para uma criança de 5 anos e meio.
– Mamãe, eu sei que o certo é jogar em silêncio, tentando “adivinhar” as próximas jogadas, mas preciso falar uma coisa – disse em tom solene, esfregando os olhinhos já cansados.
– Pode dizer, filha.
– Acho esse Rei muito “babaca” – disse apontando uma das duas peças coroadas por uma cruz.
– “Babaca”? Como ele pode ser um “babaca” se ele é a peça mais importante do seu reino? Se ele for capturado, você perde e acaba a partida – retruquei.
– Ah, mãe, o xeque-mate deveria ser com a eliminação da Rainha. Já reparou que ela é muito poderosa e que ele é um tremendo “Zé Mané”?
– Respeite o seu Rei, não fale assim dele – reclamei com um sorriso no canto da boca. – Onde você está aprendendo essas palavras?
– Mãe, a Rainha é toda “triunfante”. Consegue “dançar” pelo tabuleiro inteiro, como se fosse uma pista de dança… Olhe – e movimentou a sua Rainha na horizontal, vertical e diagonal, por várias casas já vazias. – Ela é tão esperta que “observou” e “aprendeu” os movimentos da Torre e do Bispo.
– Isso é mesmo. Ela é uma peça muito importante, filha. A perda da Rainha é uma grande derrota para o reino. Considero o “começo do fim” da partida – expliquei.
– E esse “Zé Mané” aqui é todo duro, travado e “perna de pau”. Já viu como ele “dança”? – Disse pinçando o seu Rei com seus miúdos dedinhos e o movimentando pelas casas que o circulavam. – Ele fica assim fazendo movimentos curtinhos, todo indefeso e fraco. Raiva desse “babaca”. Não quis aprender nada na vida. Até o Cavalo sabe saltar… E ele? Só sabe “se esconder na sombra da Rainha” – palavras literais da minha pequena.
– Amor, não fale assim. Se você estiver com raiva ou aborrecida, vai interferir no jogo e você não vai conseguir pensar na melhor jogada. Como eu sempre te digo, Xadrez exige concentração, “sangue frio”, estratégia e equilíbrio. E outra, não desrespeite o seu Rei. Seu dever é protegê-lo a todo custo, para continuar na partida. Acha melhor parar para descansar e continuamos depois?
– Mãe, a senhora está “toda” enganada – disse fazendo carinha de desdém.
– Oi? – Questionei, sem entender.
– Eu ainda “sou princesa”, mas serei como a Rainha, vou viver observando e aprendendo, toda poderosa, dançando com um longo vestido brilhante pela pista inteira. Mas não quero fazer sombra em nenhum “Zé Mané”… Na verdade essa conversa toda foi para te distrair, foi um papo “estlatégico” – pronunciou “fazendo bico” e levantando levemente os pequenos ombros. – Xeque no seu Rei, esse “babaca” aí.
Estatelei os olhos e tive que me render, orgulhosa, abrindo a retaguarda do meu Rei para que ela pudesse capturá-lo com o seu último e aparentemente inocente Peão, que “conseguiu atravessar” o tabuleiro quase sem ser visto por mim, no decorrer do nosso diálogo.
Parecia inofensivo, mas… Por vezes, o Discípulo supera o Mestre.
Xeque-mate, “babaca”.
A MAIOR MISSÃO NA TERRA
Enquanto trabalho em minhas planilhas, lembro das suas pequenas unhas do pé que precisam ser cortadas.
Enquanto almoço rapidamente, penso se as professoras da escola integral insistem algumas vezes para você comer o brócolis, assim como eu faço lá em casa.
Na academia (que tento fazer no horário do meu almoço, entre uma reunião e outra), tento levantar um pouco mais de peso nos equipamentos. Meu corpo precisa estar inteiro e saudável para organizar a sua festa de 15 anos.
Olho o extrato bancário e vejo que já debitaram a parcela mensal do meu seguro de vida que fiz antes mesmo de você nascer. Mesmo em minha ausência, caso ocorra, quero lhe deixar algum conforto.
Sorrindo, engulo mais um sapo a seco e aguento agruras no trabalho pois preciso do salário ao final do mês para o seu nobre sustento.
Viajo para as minhas aulas do doutorado muitas vezes em lágrimas e com o coração apertado por uma noite a menos com você, mas com a certeza que será melhor para o seu futuro. E com a esperança de tê-la orgulhosa citando a mãe doutora.
Faço questão de percorrer algumas horas de trânsito por dia para levá-la e buscá-la do colégio, pois são horas em que me dedico só a você, mesmo desviando dos ciclistas e cachorros que cruzam o nosso caminho.
Aliás, no percurso até a sua escola, fico inventando uma nova brincadeira para interagirmos até chegarmos em nossa casa, na esperança que não pegue no sono e durma sem jantar.
Colei os seus desenhos ao lado da minha mesa do trabalho para eu lembrar que um dia duro faz todo sentido quando se tem um “pedacinho de gente” dizendo que te ama ao final da tarde.
Declaro com um sorriso escapando do rosto que aprendi a matar baratas, fazer omeletes, cantar no chuveiro, assistir desenhos animados e cuidar bem melhor da minha saúde depois que você nasceu.
Morri um pouquinho quando me pediu, pela primeira vez, para deixá-la no portão da escola e vê-la caminhar sozinha, e não deixá-la pessoalmente dentro da sua sala, aos cuidados da sua professora, como eu sempre fiz.
E falando de novo em morrer, quase morri de culpa quando vi uma cárie microscópica em seu dente do fundo. Eu me senti a pior mãe do mundo por isso. Fui derrotada, mesmo tentando cuidar dos seus dentinhos da melhor forma possível.
Revolto-me discordando das pesquisas que relacionam mães que trabalham muito com filhos com problemas psiquiátricos. Escolha cruel e injusta demais entre ser pobre ou ter sucesso, ter filhos saudáveis ou doentes.
E falando de doenças mentais, saí chutando a lixeira do consultório do meu psiquiatra quando ele me disse que a minha doença se chamava “sono” e que bastaria eu dormir oito horas por noite para eu sarar. Alguma mãe aí pode me dizer como faço isso?
Falando de perder sono, foram incontáveis as vezes que saí da minha cama e fui até a sua só para certificar se estava tudo bem, se você respirava, se a janela entreaberta te incomodava, se algum pernilongo te rondava, se sua “bexiguinha” suportaria até o amanhecer, se a manta que te cobria te protegia do frio ou te dava calor…
Chorei com a maior das paixões quando jogamos a primeira partida de xadrez juntas. E você só tinha 4 anos.
Chorei de novo quando soletrou “batata” e “boneca”. Quando pegou os meus dedos e contou-os até dez… Em inglês.
E falando em chorar, só “aprendi” a chorar mesmo, quando você contorceu de cólicas pela primeira vez, aos 20 dias de vida, e nós duas sozinhas em casa na madrugada. Antes eram só lágrimas de crocodilo ou derramadas sem um motivo tão nobre.
Depois que você nasceu, reconheci que fazê-la dormir segurando as suas mãozinhas pequenas é muito mais prazeroso (e saudável!) do que comprar uma garrafa de absinto e beber sozinha, andar em alta velocidade com um carro novo ou fumar um maço inteiro de um importado da Indonésia, sabor canela, pela madrugada…
O suor infantil exalado dos seus pezinhos após um dia todo de estripulias é muito mais perfumado do que uma “explosão de rosas”: o cheiro daquele meu perfume que você desde bem pequenina sempre pediu um “tiquim no pecôço”.
E quando fecho os olhos, naqueles dias que parecem não ter fim, eu lembro do nosso diálogo no dia da mais terrível tempestade que passamos juntas, sozinhas, você com apenas 4 anos de vida, salvando a minha:
– Filhinha, se tudo o que temos for perdido, tudo o que a mamãe precisa para recomeçarmos está aqui dentro, ó (e apontei para a minha cabeça).
– Mamãe, não se preocupe. Só não fique olhando para a chuva, nem para o vento, nem para as árvores (que se contorciam nessa hora). Me abrace, me dê as suas mãos (pegou as minhas mãos nas delas, tão miúdas), olhe aqui pra mim, para os meus olhinhos e repita comigo várias vezes: “eu não tenho medo, essa chuva vai passar, eu não tenho medo…”.
Obrigada meu amor por me fazer piloto dessa nave, na maior missão na Terra.
OS DENTES DE JOÃOZINHO
Joãozinho apareceu no primeiro dia de trabalho com um par de sapatos maior que o seu pé. As roupas, bem largas, dançavam em seu corpo delgado. Ainda não havia recebido o uniforme azul para a labuta, e por isso precisou improvisar. Todo mundo reparou o seu jeito meio desconjuntado, mas ninguém comentou patavina.
No outro dia, já de uniforme e sapatos luzentes do seu tamanho, veio de cabelos bem penteados e unhas cortadas. Apresentava-se sempre sorridente e cortês, assim como havia aprendido em seu treinamento para ser um jovem aprendiz, e assim também como, decerto, ditava a sua própria natureza.
Os dias foram passando e todo mundo se afeiçoou ao Joãozinho. Um garoto de costumes simples e jeito humilde, mostrava-se sempre prestativo, educado, gentil e bem humorado.
Pele negra, estatura pequena, bastante magro, cabeça ovalada enfeitada de madeixas negras encaracoladas, mãos, pés e orelhas desproporcionais, Joãozinho no auge de sua adolescência, tinha os dentes grandes e brancos sempre ostentados em um sorriso.
– Joãozinho, você cuida muito bem desses seus dentes, hein? – Disse como forma de encômio, no intervalo do café.
– Sim, senhora, cuido sim. Na verdade a mamãe faz uma fileira conosco todas as manhãs e no fim do dia. Ela mesma escova nossos dentes.
Sem entender muito bem aquela resposta, continuei meus questionamentos:
– Como assim João? Você já tem 15 anos de idade, já sabe escovar seus dentes sozinho. Sua mãe não precisa mais te ajudar.
– Sabe, dona, lá em casa a água é difícil. E não temos escova de dente. Mamãe pegou alguns sabugos de milho, cortou assim ó (mostrou com as mãos vários longos cortes na vertical) e cada um de nós tem uma “lasca”. Somos doze, né…
Eu continuei ouvindo estarrecida, não imaginava que era aquela a realidade de Joãozinho.
– Dos doze, dona, dez já tem dentes, dois são muito bebês ainda. Daí mamãe guarda nossas “escovas” bem organizadas na beira da prateleira e cobre com um paninho bem limpo. De manhã e à noitinha ela nos coloca enfileirados por ordem de tamanho, e começa o trabalho do menor para o maior. Os pequenos, que não tem dentes, ela limpa direitinho a boca e as gengivas com um rasgo de fralda umedecida na água. Na sequência, ela vai pegando as nossas “escovas”, passando um pouco de sabão de coco na ponta e esperamos todos de boca bem aberta. Mamãe é muito inteligente, dona, ela nunca confunde nossas “escovas” para não correr o risco de pegarmos bactérias da boca um do outro.
Joãozinho descrevia aquele rito com uma absurda riqueza de detalhes, e com os olhos tremeluzindo de orgulho da sua tutora esmerada. E ainda teve mais:
– Ela escova nossos dentes, dona, pois pela manhã, por exemplo, só temos um balde grande de água para tudo. E mamãe, para não desperdiçar, faz o trabalho ela mesma, evitando que entornemos ou que um de nós use mais água que o outro. Ela pega o copo de ferver a água do café, enche, e faz com que aquela porção dê conta de todos os nossos dentes. Sabe, dona, sabão de coco não é muito gostoso não, mas olha o resultado (e arreganhou os dentões todo soberbo). Como sou o maior e mais velho, sempre fico por último, e às vezes saio de casa com gosto de sabão na boca, pois o que sobra de água para mim para retirá-lo às vezes é bem pouquinho.
Joãozinho relatou sua higiene bucal e a de seus irmãos com muito empolgamento e a mesma alegria estampada na cara, do começo ao fim. Pelo que se podia perceber, era um momento ímpar de união familiar e partilha, promovido pela mãe daquela trupe.
Após o seu relato, engasgada, não consegui falar muita coisa. Terminei o meu café, já frio, agradeci pela história em murmurejo e saí dali de volta para o meu gabinete de trabalho. Mas não consegui ficar sentada por muito tempo. Peguei a minha bolsa e avisei a minha secretaria que iria rapidamente a um supermercado nas redondezas.
No final do expediente, como era de costume, Joãozinho foi até a minha sala perguntar se existia mais alguma demanda para aquele dia, e, em caso de minha negativa, sempre se despedia com o mesmo mantra “deus te abençoe, te dê tudo em dobro e a faça sonhar com anjinhos, dona”.
Estendi a mão com uma sacola plástica com as compras recém-adquiridas e entreguei ao Joãozinho. Lá dentro quinze escovas de dente de tamanhos e cores variados, alguns pacotes de algodão, dois pacotes grandes de lenços umedecidos, cinco tubos de pasta de dente com sabores diversos, um vidro grande de enxaguante bucal e duas embalagens de fita dental.
– Toma João, coloca na prateleira da sua mãe.
João recebeu a sacola com uma interrogação na fronte. Abriu e espiou, matreiro. João não sabia o que fazer de tanta satisfação. Abriu, vislumbrou e fechou aquela sacola plástica um milhão de vezes, como se ali escondesse uma grande e reluzente barra de ouro. Ele não acreditava no que via. Não sabia se agradecia, se me abraçava ou se saía correndo dali para encontrar logo a mãe.
– Dona, isso é pra nós mesmo? É sério? – Perguntou, com os olhos marejados.
– Corre, João, sua mãe precisa se organizar para o ritual da tarde. – Respondi.
Joãozinho, se não bastasse, deixou a sacola sobre a mesa, e subitamente, ajoelhou aos meus pés principiando um Pai Nosso bem alto, com as mãos para cima. Tentei retirá-lo dali puxando-o pelo braço, constrangida, mas foi em vão levantá-lo. Deixei-o terminar a sua oração. Era o seu jeito de agradecer por aquele gesto tão ínfimo da minha parte.
– Deus te abençoe, te dê tudo em dobro e a faça sonhar com anjinhos, dona.
E aconteceu. Naquela mesma noite eu sonhei que estava no Céu. Doze anjos negros e lindos, cabelos pretos encaracolados, vestidos de branco, asas enormes, suspensos do chão, cantando divinamente em uníssono, alinhados, mostrando os seus sorrisos com dentes tão brilhantes que ofuscavam o meu olhar…
Nada como o sorriso de uma criança! Meu filho, minha obra de arte, todo o resto foi apenas trabalho,
Guardiã do amor, fonte de sabedoria, aquela cuida de noite e de dia.
Que ao dormir com os filhos sonha e ao acordar, em oração, aos filhos pede.
Que gera no ventre, mas que dá à luz com o coração.
E neste pulsante carinho abraça seus filhos em qualquer condição.
Desejamos um dia de alegria, reconhecimento e que todos os outros dias sejam de uma grata admiração.
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