Epígrafe de Livro

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No Brasil existem leitores.
O problema é que o hábito de ler é elitizado.
N⁠em todo mundo consegue manter esse hábito.

Inserida por Luamascarini

⁠- já tenho sete palavras. - disse Joyce
Ele levanta da escrivaninha rasga todos manuscritos arranca o papel da máquina de escrever chuta o gato desatinado corre vermelho pelo quarto do hotel arranca todas as tomadas disjuntores fiações visíveis senta deita levanta senta deita mais perto do gato cabreiro lhe arranha a perna sem calças e outros tecidos no corpo os sobe até os olhos deita quente por um instante sete segundos suspeita ter certeza, não sabia a ordem!

Inserida por crismerkl

⁠Se eu transmorfo era o Satanás da mitologia, talvez o mal nos seres humanos não seja um reflexo do Diabo; talvez o Diabo seja apenas um reflexo da selvageria e brutalidade da nossa espécie. Talvez o que tenhamos feito tenha sido.. criar o Diabo à nossa própria imagem. //Livro: Fantasmas.

Inserida por Paticunha

⁠Não seja ECLÉTICO na música, no cinema, os ditos cinéfilos, e muito menos na literatura. Não é consumindo todo tipo de lixo que se adquire alta cultura, na verdade consumir qualquer coisa é causa de danos irreversíveis. Melhor não ouvir, ver ou ler coisa alguma.

Inserida por KrisKirak

⁠Todos nós somos produtos do nosso meio. Cada pessoa que encontramos, cada nova experiência ou aventura, cada livro que lemos, nos toca e nos transforma, tornando-nos o ser único que somos.

Inserida por pensador

⁠Sonhar e Cair

Sonhei
e
Caí
No mundo imaginário
Sem razão
Sem julgamento

Sonhei
Caí

Em seus braços
Em seus abraços
Em seus beijos

Caí
Na decepção
Na sua aspereza
Na sua razão revoltada

Sobrevivi
Em sonhar
Em amar

E
Caí desesperadamente
Novamente
Em teus braços

Caí
E
Sonhei
Com você
Sobre nós
Só que
Agora
Na minha
Imaginação.


Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠As Linhas
Disseram pra Vânia que as linhas das mãos guardavam e guiavam seu destino.
Estava tudo ali na palma das mãos, determinado, sacramentado, no desejo intransponível do destino.
Era só interpretar as linhas... tantas linhas...
para cima...
para baixo...
em retas...
em diagonal...
formando hexágono, que Deus havia carimbado em sua mão.
A mão, um deserto cor de rosa, riscado de linhas falantes, para que o caminhante não morresse de sede e descortinasse o futuro.
As respostas estavam nas linhas que riscavam a palma da mão, mostrando o caminho e iluminavam as suas decisões.
Buscava sempre nas linhas, destinos a serem realizados e sonhos que sonhava.
Era uma busca incansável de premonições, ir a adivinhos, sensitivos, para desvendar e achar os mais curtos caminhos nas linhas das mãos.
A busca se tornou a razão da vida de Vânia. Viajava, andava longe, por estradas esburacadas, em casas escuras cheirando a velas queimadas, acreditando na imaginação dos sensitivos às suas mais íntimas indagações.
Assim caminhante da Roda Viva, pelas leis do Karma, Vânia procurava o destino na magia e no mago, nos desdobramentos de suas forças, o julgamento de sua vida para alcançar o sol da eterna felicidade.
Ora diziam que havia um moço claro e Vânia jogava p’ro alto sua sorte, e fazia uma mudança radical em sua vida.
Sua vó alertava:
— A vida tem que ser uma oração.
Vânia subia até as estrelas em sua nova esperança e nesta aventura, aparecia um louco que só queria aventuras e incertezas.
Sua mãe dizia:
— As respostas estão em você, abrace sua fé.
Vânia por tempos aquietava a ilusão, mas, o seu medo pela vida, ressuscitava as incertezas.
Sua irmã exaltava:
— Encontre seu próprio rumo e confie em você mesma.
Vânia, já mais velha e madura desanimada na busca e sentido da vida desejava agora uma harmonia sobrenatural, a temperança e sua auto realização (o mundo).
Agora tinha certeza de que o mundo não guardara p'ra ela nenhum amante loiro nem moreno. Lia as cartas de previsões e se embaralhava nas linhas escritas. Até que um dia, Vânia de tanto reler as cartas, não saía mais do quarto e todo mundo pensava: "Deve estar lendo as linhas e previsões.”
O sol se aproximou da Terra, secou o orvalho da manhã e Vânia não apareceu para o almoço.
Bateram, bateram na porta do quarto...
...não houve resposta. Quando abriram encontraram Vânia enrolada como um novelo de linha.
Linha de tudo quanto era jeito:
linha de retroz
linha de bordar
linha de carretel
linha grossa
linha fina...
Vieram suas irmãs, Vera e Virgínia, correndo e não sabiam se chamavam um médico, o curandeiro ou o sensitivo.
Vânia estava enrolada e embaraçada nas linhas.
Foi um reboliço. Tinham que achar o fio da meada e desenrolar as linhas que amarravam Vânia.
E tinha que ser rápido. Deu uma trabalheira danada, dia e noite, Vera e Virgínia se revezavam para desenrolar as linhas que aprisionavam Vânia.
Precisava pressa, pois, ela já estava pálida, acinzentada, não falava, estava cabisbaixa, enquanto as irmãs desenrolavam linhas... e mais linhas...
Eram tantas linhas... linhas da vida agarradas à Vânia.
Passaram dias e noites. Vera e Virgínia se revezando.
- Venha rápido, pedia uma, vamos deitar Vânia, já está quase no fim do “enrosco”.
As duas pegaram com afinco a tarefa. Vânia ainda de pé rodopiando, para desenrolar o “enrolo”.
Quando acabaram, levaram um grande susto, só restava de Vânia as suas sapatilhas.
Aí, elas concluíram que Vânia também virara linha, tinha corrido tanto atrás das linhas, que se embaraçou, se perdeu, não escreveu nem uma linha da sua vida, que minguou, minguou até virar um
FIO DE LINHA!
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠A diferença entre os homens e os livros, é que os homens podem escolher o seu próprio conteúdo.

Inserida por Araujo2013

As mentiras lá e as verdades aqui, a decepção aqui e as mentiras lá.⁠

Inserida por ARRUDAJBde

⁠Hoje

Hoje o dia chora
Não há metáfora
Não chove


Há um vapor
Um suor
Um choro
Que exala dos poros


Há um transpirar
Escorrer
Que banha as lembranças


Há um recordar
De dois corpos suados
Pregados
Em meus pensamentos
Do que foi todo
Meu choro.


Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Vatapá do Cerrado


Um dia ele chegou e disse:
— Acabou! Não volto mais.
Saí da caixa das comodidades e perguntei:
— Por quê?
Ele disse:
— Não sei, falta... Tempero.
Saí depenada na partilha, minha única herança:
Um velho livro de receitas.
Mas havia um sentido ao acontecido:
Casa dividida
Filhos partindo
Amigos indecisos
Família desconfiada
E eu sozinha...
...e o pior, ser acusada de ser sem tempero!
Realmente, naquele lugar, não havia espaço para que eu pudesse descarnar minha alma e retemperar minha vida.
Passei pelo quarto de minha AVÓ, que disse:
— Tenha fé! Se tivesse pernas lhe acompanharia.
Parti.
De lembranças: mudas de alecrim, coentro, manjericão, ora-pro-nobis.
Talvez a outra fosse assim:
Com a boca besuntada de manteiga de cacau, escorrendo ignorância, pele cor de açafrão de tanto vadiar ao sol, cabelos negros como tinta de lula.
Mas...
Eu tinha as faces cor de pimenta rosa e um modo de fazer diferente.
Precisava remexer e fazer um VATAPÁ e mostrar a todos que o amanhã é outro dia.
Desossei uma galinha, desfiei sua carne e modifiquei meu "penteado".
Coloquei um quilo de camarão, imaginando que o mar é grande...
Deitei azeite de dendê em abundância para lustrar meu ego.
Despejei leite de coco, pensando que o vento no coqueiral, vira a qualquer hora.
Apertei os tomates maduros para que não sangrassem antes da hora.
Piquei e chorei junto às cebolas e acreditei que elas exorcizam o ambiente.
Com parcimônia no sal (à gosto) e acreditei em Deus e na criação.
Usei alho em lâminas para espantar a inveja
Salsas e cebolinhas trituradas para dizer que tenho tempero.
Abracei a azeitona para dar um toque aveludado à vida
Troquei... era hora... o amendoim dominado pela suavidade do baru do cerrado e acreditei no equilíbrio do sabor.
Retemperei e acreditei na receita, estava tudo pronto... mesa posta e farinha de mandioca para engrossar minha intuição.
Cansada, eu agora, precisava de um banho, de um mergulho. No quintal uma banheira jazia também abandonada.
Lustrei vida nova a ela. Forrei com alecrim para perfumar meu corpo.
Cerrei as vistas de curiosos, com lençóis, para que não criticassem minha nudez e filtrassem somente bons ventos;
Mergulhei!
E foi assim: era fim de outono, as folhas caíram na virada da tarde.
Pétalas coloridas inundaram a banheira e eu me senti importante com tantos confetes!
Na verdade, ele me perdeu, o tempo avisou que as folhas velhas cairiam, dando lugar às folhas verdejantes e elas inundaram a banheira. E eu cheirando a alecrim, engatei uma nova estação e pensei:
“Amor requentado
amigo reconciliado
nunca dão um bom-bocado”
Aceite e acredite na sua receita.




Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Quero em Verso para te Amar

Quero a última intenção
Um último beijo
Com todo desejo
Depois despejo


Quero amar aquele instante
Desarmar
Nossas almas


Quero intenções, intensidade
O procurar
De sua boca em minha
O resto daquele abraço
Quente
O resfriar do impossível


Quero você
Seus pelos
Meus apelos
Sem cobranças
Só quero
Nada mais


Só quero
O todo roubado
O que me foi retirado
O que se fez descortinar


Só quero você
Seu braço
Um abraço
Sua masculinidade
Concreta


Sua vontade em minha vontade
Quero você
Sua doença amanhecida em mim
Sua existência


Quero a última
Intenção
Quero ficar em você
Pregada
Carregada
Como páginas
Amassadas
E nunca
Esquecidas


Estrofe de um verso
Que nunca
Terminei
E só comecei com você


Verso que nunca pronunciei
Mas quero tudo de volta


Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Quando

Quando vai passar?
Este desvario
Esta loucura
Deste encontro
Que provocou o desencontro
De todas nossas vidas.


Quando vai passar
Esta saudade
A sede de seu tocar
A minha
Avidez
Aflição
Pela sua presença


Quando vai passar
Este desespero, a secura
Que tinge meus dias
Minhas idéias
Esconde minha ansiedade
Em te tocar
Somente com o meu olhar


Não vai passar
Vai minar
Vai marcar
Não há tempo
Vai ficar
Morando neste tempo
Em que fiquei
Louca por você.


Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury


REVELAÇÃO
Vendo você
Meus olhos
Vendem meu ser.

Inserida por paulodilima

⁠A Parte e o Todo



Ela estava nua, e com ela todas as suas cicatrizes. Estava só, e com ela todos os pensamentos que nela moravam.
Puxou a noite e sua negritude para cobrir sua nudez e bafos da madrugada para perfumar sua embriaguez de desejos e ainda continuava nua.
A noite era passageira e o silêncio que nela morava, parecia indefinidamente profundo, como um “segredo apaixonado".
Onde guardaria a caixa dos segredos apaixonados, que se debatiam, querendo sair a toda hora?
Eram apenas segredos e segredos divididos não eram mais segredos e de companhia também guardou o silencio na mesma caixa.
Guardava todos na gaveta do lado esquerdo, no alto do armário que pertencia ao quarto, onde ninguém revirava seus devaneios.
Amanhecia, anoitecia e, dentro da caixa, o segredo e o silêncio começaram a se desentender e faziam a caixa vibrar e o armário começou a reclamar que não havia paz para que continuasse ereto, firme em sua envergadura.
Ela abriu a caixa do lado esquerdo dos seus seios, tirou a paixão e a guardou junto com o silêncio e o segredo.
Eles ficaram extasiados com a sua magia!
A paixão era morna seus cabelos sedosos e suas mãos mágicas, suaves e sua boca desenhada, seu olhar era uma viagem ao desconhecido.
Por dias a caixa se acomodou. Mas, lá dentro uma guerra se anunciava: o segredo e o silêncio disputavam a paixão.
Um dia, o armário novamente reclamou. Ela o abriu e ele rangeu e pediu que olhasse a caixa dos segredos apaixonados.
Deles, soava uma música triste, partida, como se os acordes vibrassem o último Si Bemol de um final de melodia.
Pegou a caixa dos segredos apaixonados, foi até ao rio, onde as águas navegam e passam somente uma vez. Abriu a caixa e lá estavam: o segredo apaixonado partido, o silêncio irritado e inconformado e a paixão mendiga e maltrapilha.
Despejou todos no rio e viu que a paixão é descortinada e encachoeirada, o segredo partiu em confissão e o silêncio se despediu em tranqüilidade, descobrindo que a paixão não é amor, mas simplesmente o lado partido e a parcialidade.
Ela somente conhecera e se apaixonara por uma parte de um todo desconhecido.


Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Sentado em meu sofá com uma xícara de café quentinho na mão, o clima agradável e uma leve garoa caindo do lado de fora de minha janela me trazendo uma paz inexplicável. Um livro na mão e o silêncio como aliado a imensidão de palavras em que mergulhei a pouco tempo. Me faz pensar se minha companhia é tão boa para mim quanto está aparentando nesse exato momento, não sou de apreciar minha própria companhia mas as vezes ela se faz tão confortável e agradável que é impossível não aproveitá-la nesses momentos. Aprendi aos poucos a me entender e entender que algumas vezes necessito de mim e apenas de mim, aprender a ser agradável a mim mesmo é uma arte que ainda não domino completamente e acho que nunca conseguirei totalmente mas a cada dia se parece ainda mais deslumbrante que eu consiga deixar meus pensamentos se sobrepor ao silêncio, meus sentimentos correrem pelo ambiente e libertar a mim mesmo da prisão da vergonha.

Inserida por NathanaelLeal

⁠Envidraçada
Você disse: “Não me questione... nunca...”
Frase feita, determinada.
Mas, a cozinha era pequena com fogareiro de duas bocas, perdido sem intenção de nada e o pior, não havia cheiro e calor de coisa alguma.
Mas o aroma de seu beijo navegava em minha boca e eu precisava dar um jeito de digerir seu feitio.
Tínhamos que namorar. Peguei suas mãos ásperas para sentir seu movimento, sua energia e o modo que manipulava e você as retirou: triturei as cebolas e
Chorei!...
Olhei em seus olhos sem desviar, para descobrir qual era o seu tempero e a sua hora. Você desviou e duvidou e eu acreditei no Curry como condimento e companheiro.
Abracei você desavisado na sala e sussurrei amores e você desdenhou.
Fui à cozinha novamente, piquei as maçãs ácidas e verdolengas e percebi que estava em descompasso, não era a hora.
Na biblioteca, você distraiu na leitura sobre motores e aquecimento e observei sua atenção e namorei seu perfil e sua paz.
No quarto, sozinha, retirei o avental, pintei minha boca e desejei a mim mesma, paz e discernimento das verdades.
Voltei ao escritório e com segurança disse que estava tudo pronto.
Você, descansadamente, arqueou as sobrancelhas e perguntou:
—O que você fez hoje?
Respondi:
—Frango ao Curry.
E você. num silêncio mordaz, sentenciou:
— “Não como frango!"
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠O turbilhão

Sentou-se diante do espelho encaixilhado, abraçando anjos,
e ele a refletiu, e ela perguntou:
– Qual é a distância entre o Amor e a Paixão?
O reflexo fragmentou, partiu-se, dividiu-se em mil faces, ela
percebeu que era uma viagem cheia de adversidades e surpresas.
Chorou, lamentou, arrumou as malas, dobrou sentimentos e
saiu de bagagem desarrumada. Mas esta era uma pergunta que não ficaria no espaço, sem resposta.
Caminhou e viu a tarde chegar.
Ficou ali, estática, observando, e viu que as tardes são as
paixões. Elas simplesmente caem, silenciosas, misteriosas e sem questionamentos.
E, de repente, você apalpa a escuridão da noite, a paixão não sabe o que fazer e pinta a lua cheia no céu para você não ter medo.
Mas você não desiste, fica de perna bamba, tropeçando e
transpirando.
E a paixão novamente, insistentemente, pinta estrelas no
céu para que olhe somente para ela, e tudo seja somente um céu estrelado de uma noite escura.
Vem o frio da alma e nada aconchega. Você torce para que
amanheça e a noite da paixão ainda quer te confundir, e sopra neblinas e dúvidas esfumaçadas.
O frio anuncia o dia: você amanhece, apesar de tudo.
Você acorda confusa, de ressaca. Nem de dia, nem de noite,
simplesmente amanhece no conflito do dia, na discussão da moeda corrente, nos afazeres das cordialidades, fingindo que ontem não foi nada e hoje tudo vai acontecer.
Para transtornar todos seus dias!
Ao dia o AMOR chega: queima sua pele, lhe dá um abraço
aconchegante e você, desavisadamente, acredita que todos os erros que cometeu e todos os pecados com os quais dormiu tem perdão.
No ocaso, às 15 horas, você percebe o que lhe foi dito: é
diferente.
E esta voz não se cala, é a paixão.
E quando abandona nossa existência de lembranças, deixa
um brinco de estrela cravejado de brilhantes, para lembrar que ela (a paixão) não é o sol do dia nem as estrelas que povoam o céu.
Banimento não existe.
Somente luto, aflição, agonia, amargura, angustia, ansiedade, desgosto, consternação e dor.



Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠Todo tempero do mundo:
Carneiro com Hortelã
Pensando:
“Decidi encontrar com ele. Não posso mais voltar atrás e me
despir desse sentimento. Só quero o movimento desse amor, que sinto tanto, para guardar em minha memória e meu coração. Amar não é pecado, pecado é não amar e nunca decidir. E toda decisão, às vezes, não é pela paixão, mas pelo o que construímos pelo caminho.”
Eu criei tanta coragem e tantos anos para dar aquele telefonema.
Acho que meu erro foi ser ovelha, número quatro, depósito,
e ainda disse:
–Boa tarde!
E você, que nunca reconheceu minha voz, me disse:
– Quem é?
– Sou eu!
– Diga.
– Está ocupado?
– Estou esperando dois telefonemas.
Pensei: “Dois, começo de alguma conversa que pode dar
certo”. Mas você nunca acreditou em numerologia, silenciei.
– Pegue o calendário vamos nos encontrar.
E você atirou pimenta malagueta em meu rosto, disse:
– Capsicum bacctum, não enche o saco. Você é...
E não completou.
Continuei.
– Fale, gosto de saber dos meus defeitos para corrigi-los. Não gosto de charadas.
Acho que desistiu de dizer por que viu o que ardia em meus
anseios.
– Não gosto de brigar, entende?
E não estava ali para brigar, mas te beijar.
E disse que sim, mas eu não entendi aquela violência comigo
e as feridas se abriram, empanadas de pimenta malagueta. E tremia, mal consegui erguer e caminhar uma xícara de café com anis estrelado em minha boca.
Saí de tudo, fui até a janela para acreditar como fui
sobrevivente e aterrissei depois de tanta turbulência, como deixei de gostar de mim mesma.
Chorei.
E tudo escorreu calado debaixo daquele que nunca viu e
sentiu. Recolhi toda indigestão com minhas mãos que cheiravam a anis estrelado.
Pensei em Monteiro Lobato, íntimo naquela hora.
Toct passe - Tudo passa.
Toct casse - Tudo quebra.
Toct lasse - Tudo se gasta.
Naquele instante eu era outra substância e a minha energia e
transcendências ficaram presas em suas palavras.
Não fluíram.
Capsicum bacctum, pimenta malagueta, você esgalhado,
folhas ovais agudas e alternas, flores solitárias.
E eu cheirando à China, Illicium anisatum, erva doce de sete
ou oito cápsulas, comprimidas, avermelhadas e guardando uma semente:
“O sentimento”
Desistam: ISTO NÃO É RECEITA DE NADA.
Eu era uma vela, um tremular, uma intenção. Era a mesma,
mas havia mudado a substância e o tempero.
Deliberei.
Esmaguei anis estrelado com pimenta malagueta e muita
hortelã para aliviar.
Temperei o carneiro, era quase Páscoa.
Paz.
O resto exalava paixão.
Livro Pó de Anjo
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury

⁠O Compasso do Vôo
Tocou um tango.
Ele levantou-se, saiu pelo salão, abandonou a mesa e a comunhão de todos que o cercavam e na multidão ele a viu; era ela todos seus dias, era ela todas suas noites.
Aproximou e disse:
— Dance este tango comigo.
Ela indignada com a transparência respondeu:
— Não sei dançar tango.
— Isto não importa, tango é uma dança masculina; comigo você não perde o compasso.
Ela levantou-se e viu o mundo em alto relevo descortinado acima de sua verdade.
Caminhou até o salão, petrificada, nem sabia como tocá-lo em público.
Ele providenciou o enlace. Pegou suas mãos úmidas e
geladas, segurou-as com firmeza e as trançou em seu corpo.
Ela sentiu seu movimento e desta vez não podia fechar os olhos, inalou seu cheiro sem poder beijá-lo, percebeu suas pernas fortes e não podia entrelaçá-las. E por um instante o vinho recém aberto a deixou tonta em um só gole.
Dançou, jogando seu ritmo nas batidas sufocadas suspiradas do bandónion.
Suspirou, puxou coragem e dançou aos olhos de todos. E no mundo emparedado ela viu o fio do prazer e com volúpia dançou esparramando todo seu desejo.
Neste instante, o salão foi inundado de um perfume fragmentado e indefinido da lágrima que escorre, do pensamento cheio de saudade, do prazer de sua voz e da incerteza do encontro frente à maciez do contato de seu beijo.
E todos perturbados com o banho de verdades em pétalas frente estes sentimentos, dançaram embriagados abraçando seus pares. E no amontoado esprimido do anonimato, eles os amantes, se perderam sem julgamento.
E nas asas do desejo e da imaginação emergiram na noite e no compasso fálico desse desejo onde mora a morna volúpia longe das paredes livres, perderam-se no horizonte em um vôo flutuante sem destino certo.
Onde a noite é suave ao adormecer, onde pairam e
pousam as almas amantes que se deitam para simplesmente amar.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury

Inserida por RosanaFleury