Ele
Só agora eu sinto que a minhas asas eram maiores que as dele, e que ele se contentava com o ares baixos: eu queria grandes espaço, amplitudes azuis onde meus olhos pudessem se perder e meu corpo pudesse se espojar sem medo nenhum. Queria e quero — ainda. Voar junto com alguém, não sozinho. Mas todos me parecem tão fracos, tão assustados e incapazes de ir muito longe. Talvez eu me engane, e minhas asas sejam bem mais frágeis que meu ímpeto. Mas se forem como imagino, talvez esteja fadado à solidão.
Quando a última coisa que você tiver for Deus, você vai descobrir que ele era a única coisa que você precisava ter.
50% do que se fala brincando é verdade. Porque falar brincando é uma maneira gentil de dizer a verdade sem ofender a outra pessoa...
“Não há lugar longe de Deus que se faça seguro, por mais escondido que seja, e por mais segurança que passe, não é seguro. Nunca estamos seguros longe de Deus e da sua proteção. Longe dEle estamos sempre desprotegidos, sujeitos à nos ferir, a nos machucar, e a sofrermos; pois, só Ele é o nosso escudo, a nossa fortaleza, a nossa salvação.”
Querido,
Essa é especialmente para você. Escrevo aqui esta carta que nunca será entregue, e que em vão eu insisto em escrever. Eu quero que saiba que odiava quando você se deitava ao meu lado e roçava sua barba por fazer em meu rosto. Mas de certo modo, quando eu te conheci adorava isso. Achava que você era o homem dos meus sonhos, mas me enganei. Que clichê. Me enganei com você, como me enganei com todos os outros que passaram pela minha vida.
Com amor, Anônima.
"Querido,
Claro que eu escreveria una carta para você. Você, eu acreditei que casaria. Lembro que você segurou meu cabelo enquanto eu vomitava, e de tão bebâda que eu estava troquei seu nome e te chamei pelo nome do meu ex-namorado. Eu sou o desastre em pessoa, e mesmo assim você quis esse caos ambulante que sou. Te peço desculpa por descobrir que eu não era quem você precisava. Descobri que você casou, e já é pai. Eu não estava pronta para algo tão grande assim, e você diferente de muitos, entendeu que eu gosto mesmo é de ser livre.
Com amor, Anônima.
"Querido,
A sua carta talvez seja a mais melancolica. Você foi um daqueles amores inesquecíveis. Nunca esqueci como e quando trocamos número de telefone. Ambos tímidos e com certa insegurança do que viria depois. Mas o depois veio, nos trouxe momentos duradouros e decepções e sofrimento que em vão tentei deixar no passado mas que ainda carrego no peito. Suas lembranças estão comigo, presas em fotografias. Com você, pude ser eu sem medo de parecer rídicula. Aceitamos os defeitos um do outro e o fato de sermos orgulhosos, e estamos seguindo em frente e aceitando ambos nossas decisões. Eu te compreendo, espero que me compreenda também, por ter esmorecido e estar enterrando o passado, com essa carta que nunca será lida por você.
Com amor, Anônima."
"Querido,
O amor que senti por você foi aquele de sentir dores musculares e ânsias de vômito. Borboletas no estômago e uma agonia insana. Eu me tornei patética, e te amei mais que a mim. Você era um poço de problemas, e eu tomei todos eles para mim só para te ver bem. Persisti, insisti e você virou as costas e foi em busca de quem nem ao menos sabia que sua comida favorita era lasanha. Larguei de mim, e me finquei em você. Tive que ficar no escuro pra perceber que a luz que eu via em você, eu já tinha.
Com amor, Anônima."
"Querido,
Sua carta provavelmente será a menor. Quero que saiba que estava tão obcecada com o fato de estar distante de você, que deletei seu número para não te mandar mensagens, apesar de deletar do meu celular, você foi aquele filho de mãe que ficou algum tempo presente em meu coração, até que eu dei de ombros e abracei minha vergonha na cara.
Com amor, Anônima."
"Querido,
Você é o sexto homem que passou pela minha vida. Depois de você vieram mais alguns cafajestes, porque eu, teimosa como sou, continuei insistindo no amor. Você de alguma forma não marcou só minha vida. Mas meu coração. Fez eu esperar por você sentada e olhava com aqueles olhos castanhos que me conheciam tão bem e que imploravam para eu te esperar. Passei horas ao lado do telefone esperando você ligar. Sim, fui idiota a esse ponto. E aposto que você estava em alguma festinha, iludindo mais uma. Tentei em vão insistir em um amor que só eu sentia. Mas estapeei meu rosto e disse para mim mesma: Vá viver, mulher. E eu fui.
Com amor, Anônima."
"Querido,
Se eu pudesse livrar todas as mulheres de você, eu livraria. Você é o mestre em simetria perfeita, sabe escutar e dar o espaço que uma mulher merece. Aceitou meu caos de bom grado, e ainda me levou pra conhecer sua família. Mas eu, nunca fui o suficiente. Meu amor própio é muito, mas nem tanto. Antes que gerasse um pedido de casamento eu usei as palavras que mais dariam sentido "o problema sou eu, e não você." Fui embora com uma dor no coração, e com um cíumes horrendo da mulher que teria você ao lado todos os dias. Me desculpa, eu nunca gostei de me prender a nada. Sou mulher de imensidões, jamais de gaiolas.
Com amor, Anônima."
"Querido,
Se você pudesse seguir uma outra carreira, além da que você escolheu, seria desmontador de corações. Desmontar você sabe, você só não sabe juntar os pedaços, nessa parte quem tem mestrado e doutorado sou eu.
Com amor, Anônima."
"Querido,
Encerro essas infinidades de cartas com você. Foi o último homem que passou pela minha vida, e sei que virão outros. Talvez diferente de todos, ou igual a você. Eu te odeio e eu te amo com a mesma intensidade. Essa sua coisa de dizer me amar, mas na verdade, precisar de mim quando não tem outra opção, me enlouquece. Eu queria sentar com você em uma sala de aula e lhe explicar o sentido da frase "Eu te amo" e o real significado de "Preciso de você", porque você é egoísta a ponto de não enxergar. Meu coração anda cansado, torturado pelos seus atos e suas palavras. Se quiser ir, vá. Mas não insiste em ficar, quando seu desejo é ir. Eu mal me aguento, quero inteiridade. Pessoas pela metade me incompletam. Me ame. Com garra, desejo e vontade. Mas não fica com essa negligência de precisar de mim. Minhas malas já estão na porta, me ame ou eu irei me amar, sem olhar para trás.
Com amor, Anônima."
O homem quando bebe álcool, afia uma faca e mata.
Mas quando fuma erva ele afia uma faca e diz:
Deixa, a vida mostrará a ele.
Ele transa bem? Leva você para comer bons queijos e vinhos? É seu amigo? Então fica com ele. É o máximo que você vai conseguir de um homem.
Não fique à procura do Príncipe encantado. Procure o Lobo Mau: Ele te enxerga melhor, te ouve melhor e ainda te come melhor.
Terça-Feira Gorda
De repente ele começou a sambar bonito e veio vindo para mim. Me olhava nos olhos quase sorrindo, uma ruga tensa entre as sobrancelhas, pedindo confirmação. Confirmei, quase sorrindo também, a boca gosmenta de tanta cerveja morna, vodca com coca-cola, uísque nacional, gostos que eu nem identificava mais, passando de mão em mão dentro dos copos de plástico. Usava uma tanga vermelha e branca, Xangô, pensei, Iansã com purpurina na cara, Oxaguiã segurando a espada no braço levantado, Ogum Beira-Mar sambando bonito e bandido. Um movimento que descia feito onda dos quadris pelas coxas, até os pés, ondulado, então olhava para baixo e o movimento subia outra vez, onda ao contrário, voltando pela cintura até os ombros. Era então que sacudia a cabeça olhando para mim, cada vez mais perto.
Eu estava todo suado. Todos estavam suados, mas eu não via mais ninguém além dele. Eu já o tinha visto antes, não ali. Fazia tempo, não sabia onde. Eu tinha andado por muitos lugares. Ele tinha um jeito de quem também tinha andado por muitos lugares. Num desses lugares, quem sabe. Aqui, ali. Mas não lembraríamos antes de falar, talvez também nem depois. Só que não havia palavras. havia o movimento, a dança, o suor, os corpos meu e dele se aproximando mornos, sem querer mais nada além daquele chegar cada vez mais perto.
Na minha frente, ficamos nos olhando. Eu também dançava agora, acompanhando o movimento dele. Assim: quadris, coxas, pés, onda que desce, olhar para baixo, voltando pela cintura até os ombros, onda que sobe, então sacudir os cabelos molhados, levantar a cabeça e encarar sorrindo. Ele encostou o peito suado no meu. Tínhamos pêlos, os dois. Os pêlos molhados se misturavam. Ele estendeu a mão aberta, passou no meu rosto, falou qualquer coisa. O quê, perguntei. Você é gostoso, ele disse. E não parecia bicha nem nada: apenas um corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o meu, que por acaso era de homem também. Eu estendi a mão aberta, passei no rosto dele, falei qualquer coisa. O quê, perguntou. Você é gostoso, eu disse. Eu era apenas um corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o dele, que por acaso era de homem também.
Eu queria aquele corpo de homem sambando suado bonito ali na minha frente. Quero você, ele disse. Eu disse quero você também. Mas quero agora já neste instante imediato, ele disse e eu repeti quase ao mesmo tempo também, também eu quero. Sorriu mais largo, uns dentes claros. Passou a mão pela minha barriga. Passei a mão pela barriga dele. Apertou, apertamos. As nossas carnes duras tinham pêlos na superfície e músculos sob as peles morenas de sol. Ai-ai, alguém falou em falsete, olha as loucas, e foi embora. Em volta, olhavam.
Entreaberta, a boca dele veio se aproximando da minha. Parecia um figo maduro quando a gente faz com a ponta da faca uma cruz na extremidade mais redonda e rasga devagar a polpa, revelando o interior rosado cheio de grãos. Você sabia, eu falei, que o figo não é uma fruta mas uma flor que abre pra dentro. O quê, ele gritou. O figo, repeti, o figo é uma flor. Mas não tinha importância. Ele enfiou a mão dentro da sunga, tirou duas bolinhas num envelope metálico. Tomou uma e me estendeu a outra. Não, eu disse, eu quero minha lucidez de qualquer jeito. Mas estava completamente louco. E queria, como queria aquela bolinha química quente vinda direto do meio dos pentelhos dele. Estendi a língua, engoli. Nos empurravam em volta, tentei protegê-lo com meu corpo, mas ai-ai repetiam empurrando, olha as loucas, vamos embora daqui, ele disse. E fomos saindo colados pelo meio do salão, a purpurina da cara dele cintilando no meio dos gritos.
Veados, a gente ainda ouviu, recebendo na cara o vento frio do mar. A música era só um tumtumtum de pés e tambores batendo. Eu olhei para cima e mostrei olha lá as Plêiades, só o que eu sabia ver, que nem raquete de tênis suspensa no céu. Você vai pegar um resfriado, ele falou com a mão no meu ombro. Foi então que percebi que não usávamos máscara. Lembrei que tinha lido em algum lugar que a dor é a única emoção que não usa máscara. Não sentíamos dor, mas aquela emoção daquela hora ali sobre nós, eu nem sei se era alegria, também não usava máscara. Então pensei devagar que era proibido ou perigoso não usar máscara, ainda mais no Carnaval.
A mão dele apertou meu ombro. Minha mão apertou a cintura dele. sentado na areia, ele tirou da sunga mágica um pequeno envelope, um espelho redondo, uma gilette. Bateu quatro carreiras, cheirou duas, me estendeu a nota enroladinha de cem. Cheirei fundo, uma em cada narina. Lambeu o vidro, molhei as gengivas. Joga o espelho no mar pra Iemanjá, me disse. O espelho brilhou rodando no ar, e enquanto acompanhava o vôo fiquei com medo de olhar outra vez para ele. Porque se você pisca, quando torna a abrir os olhos o lindo pode ficar feio. Ou vice-versa. Olha pra mim, ele pediu. E eu olhei.
Brilhávamos, os dois, nos olhando sobre a areia. Te conheço de algum lugar, cara, ele disse, mas acho que é da minha cabeça mesmo. Não tem importância, eu falei. Ele falou não fale, depois me abraçou forte. Bem de perto, olhei a cara dele, que olhada assim não era bonita nem feia: de poros e pêlos, uma cara de verdade olhando bem de perto a cara de verdade que era a minha. A língua dele lambeu meu pescoço, minha língua entrou na orelha dele, depois se misturaram molhadas. Feito dois figos maduros apertados um contra o outro, as sementes vermelhas chocando-se com um ruído de dente contra dente.
Tiramos as roupas um do outro, depois rolamos na areia. Não vou perguntar teu nome, nem tua idade, teu telefone, teu signo ou endereço, ele disse. O mamilo duro dele na minha boca, a cabeça dura do meu pau dentro da mão dele. O que você mentir eu acredito, eu disse, que nem na marcha antiga de Carnaval. A gente foi rolando até onde as ondas quebravam para que a água lavasse e levasse o suor e a areia e a purpurina dos nossos corpos. A gente se apertou um conta o outro. A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro. Tão simples, tão clássico. A gente se afastou um pouco, só para ver melhor como eram bonitos nossos corpos nus de homens estendidos um ao lado do outro, iluminados pela fosforescência das ondas do mar. Plâncton, ele disse, é um bicho que brilha quando faz amor.
E brilhamos.
Mas vieram vindo, então, e eram muitos. Foge, gritei, estendendo o braço. Minha mão agarrou um espaço vazio. O pontapé nas costas fez com que me levantasse. Ele ficou no chão. Estavam todos em volta. Ai-ai, gritavam, olha as loucas. Olhando para baixo, vi os olhos dele muito abertos e sem nenhuma culpa entre as outras caras dos homens. A boca molhada afundando no meio duma massa escura, o brilho de um dente caído na areia. Quis tomá-lo pela mão, protegê-lo com meu corpo, mas sem querer estava sozinho e nu correndo pela areia molhada, os outros todos em volta, muito próximos.
Fechando os olhos então, como um filme contra as pálpebras, eu conseguia ver três imagens se sobrepondo. Primeiro o corpo suado dele, sambando, vindo em minha direção. Depois as Plêiades, feito uma raquete de tênis suspensa no céu lá em cima. E finalmente a queda lenta de um figo muito maduro, até esborrachar-se contra o chão em mil pedaços sangrentos.
Você sempre foi diferente. Diferente de qualquer outra pessoa que já passou em minha vida e é isso que me encanta. Nós dois juntos somos um tipinho qualquer, mas um tipinho só nosso. Sem lógica e solução, sem solução eu sempre fui, só não esperava encontrar outro tão ruim quanto eu.