Dinheiro por Chico Xavier
Sei
Sei-te noite dentro
forma quente no escuro
corpo indiferente e vazio
estátua do que procuro
Sei de linhas e de voltas
bocados de um outro fazer
da maciez dos recantos
aos roteiros do prazer
Toco e logo te quebras
como pedra que se fende
a golpes de marreta
solta-se o corpo em festa
não há fome como esta
nem fogo que nos derreta
Desejo
Quando nos descobrimos com sede
E nos bebemos
Quando famintos nos saciamos
Na lava que nos acende
Deixa que corram os sentidos
Nessa louca dança do viver
Deixa que o sangue também corra
Aos borbotões
Pelas nossas veias em festa
E antes que se acabe o que resta
Deste universo de sedes e corações
Ama-me outra vez.
Porque me olhas
Porque me olhas
Voo sem medo
Por lugares que não sei
Ouso a altura
Nos teus braços
Meus miradouros do mundo
Meus caminhos de ir e vir
Meus Sítios de estar e de ser
Cinza e labareda
Flor, pó e pedra
E esta fome de distância
Esta sede de chegar
Ao âmago de ti.
Onde queres o negro da noite
Estojo das mais belas estrelas?
E o meu olhar a arder
Como lembrança de outros voos?
Diz-me de que fonte é a água
e o céu que te apetecem.
Não quero guerra nem paz
nem saber se há céu, mar,
terra, flores, ar
passarinhos, outros bichinhos.
Não vou lembrar de safados
de honestos, dos modestos,
dos cometas dos planetas
dos continentes
de idiomas diferentes
hoje eu quero o vazio
o nu.
que importa o vento
o frio ou o calor
quero o nada.
Nem sonhos
menos ainda realizações
nem fastio me atrai.
candura, ardil
frescura ou secura
tanto faz,
não quero.
Eu não quero existir
sentir.
Não estou a fugir
só não quero
nem fingir.
Me dispo de tudo,
esvazio.
Que importa a poluição
a má intenção
que interessa a solidariedade
o rancor, o amor?
Fico parada, sem pensamento
nem que seja por um momento
não quero saber de nada.
Sentinela do Tempo
Sentinela do tempo,
Vigio o teu corpo
Adormecido
E aguardo por ti
À esquina da aurora
Plena de vida
Para partilhar
Mais que a boca
Beijam-me os teus olhos
Na lisura da manhã
Mais que o corpo
Afagam-me os teus dedos
Sob a coberta de lã
E sem palavras ardemos
Carne, sangue e beijos
Com sabor de hortelã
Outra Pele
Sinto a luz da tarde
como outra pele
e saio de mim
O gosto é acre
no tempo das promessas
e o ar anil quando arde
no teu corpo
de seda e jasmim
Não leio palavras nos teus olhos
mas sei a prata dos silêncios
e o barulho dos sentidos
Sei que pelo amor
até as pedras
adoçam os gumes
e se moldam à mão
que lhes trava o voo
Pelo amor
sangram as escarpas
seixos e papoilas
Há vermelho nos trigais
Ai tanto caminho andado
Ai tanto caminho andado
Tanto tempo
Tanto fado
Tanta pedra no meu prado
Tanta cinza
Nas minhas nuvens de Maio
Ai tanto caminho andado
Em silêncio
Em agonia
Antes de ter-te a meu lado
A partilhar o telhado
Na minha terra bravia
Ai tanto caminho andado
Na monda dos meus trigais
Sede de Agosto e papoilas
Água fresca
Céu aberto
Riso aceso
E a tua boca tão perto
Rapidinha
Comeram.
Beberam.
Dançaram.
Riram.
Beijaram.
Ela saiu apressada.
Ele ficou na cama, insaciado.
- (Que pena, ela saiu sem pagar).
Sem Você
Meu coração queima
com os raios de sol que saem de teus olhos
Minha boca murmura
palavras e cânticos da totalidade do meu amor por ti
Minha mãos perdidas
procuram a constância e o calor do teu corpo
Minha cabeça gira
só de pensar o que eu seria sem você aqui.
"A música vem de ti"
A música vem de ti
promessa ainda demorada
na luz do tempo
no pó da estrada
A música vem
e chegam também
a urze e o azul
que te precedem
Serás flor na aurora branda
emoção de um lírio por dizer
pedra
corpo
verde e água
na tua boca calada
antes de acontecer
A música vem de ti
Conta-me
Conta-me
Do teu vestido verde
Seda pura
Corte liso
Conta-me
Do que é preciso
Para que vistas luar
E sombra
Pele e luz.
Em Silêncio
Amar-te em silêncio
E estar só
Não é ser forte,
É queimar a alma
Devagar
Como brasa sob cinza
Á revelia do olhar
O desejo queima
E acorda o corpo
Para um destino
De fogo
Ou de mar
E sou crista de onda
Ou céu de prata
E a lua é só uma lata
Sem valor
Sempre que estás comigo
Só então me reconheço
Como um pedaço de ti
Que recusa a independência
Sou livre sempre que voas!
Pausa
Vem e traz o ar de posse
As certezas e a intimidade
Sê a estátua de carne
Neste momento de silêncio
Muda e quieta
Como uma boca pousada
No meu sono
Traz-me de ti
O tudo e o nada
Do abandono
E acampa no trevo
Acre e macio
Deste corpo em festa
Depois, vê o que resta
Da minha fome e do cio
Retoma a tua gesta
Deixa-me vazio
Pelas Mãos te Sei
Pelas mãos te sei
pelos dedos te leio
formas e vazio
luz e esteio
corpo
sede
raiva
e os olhos magoados
de claridade agreste
Espessos os lábios
presas as palavras na garganta
e o teu olhar
a ditar estes silêncios de veludo
Mudo também é o som da noite
imenso jardim de estrelas
e passos sem destino
Basta saber que me esperas
à esquina de qualquer hora
Basta-me sentir a vida
como um sopro leve no rosto
e provar o mosto
do teu vinho
rubro e aceso
com sabor de vida
ao jeito da idade
Homem
menino
velho
destino
e o tempo a tecer rugas e mágoas
a gerar fontes
onde choramos
os amores perdidos
na calma podre das seivas
Petrificadas
Perto
Risco o teu nome na areia
Ao silêncio dos reflexos
Sais-me dos dedos
Mas é na boca que me deixas
O sabor a rosas que há em ti
Sei de caminhos e ruas
Sei de tempestades
Sei de corpos e cidades
Mas a ti amor
Só te adivinho
Contigo
As ausências
São a pausa desejada
Tu é que trazes
Estrelas e luar
À minha noite fechada
Amanhã quando vieres
A este pedaço de céu
Que iluminas
Estarei do outro lado
Da circunstância
Ao alcance do olhar
Se
Se corro
Cega-me a pressa
Para a verdade dos lírios
Se abrando
Fico-me pela delícia
Dos delírios
Em que morro
Nos teus braços
Devagar
"Tragédia"
Tragédia em todos os actos
é quando sem ver o azul
repetidas vezes
descreves negro
sentes noite
e não percebes o aroma
das camélias
que se escondem no breu
Como eu
Brasil
Quão profundas são tuas riquezas
Quão volúvel é a tua história
Quão humano é o teu povo
Quão alegre é a tua nação
Quão límpidas são tuas águas
Quão inconteste é a tua honra
Quão milagrosa é a tua obra
Quão triste é a tua política
Quão sujos são teus políticos
Quão podre é a tua câmara
Quão fraca é a tua justiça
Quão demo é a sua cracia
Quão secretos são teus atos
Quão corrupta é a tua polícia
Quão ilícito é o teu poder
Quão míope é a tua verdade
Quão errôneas são tuas ordens
Quão miragem é o teu progresso
Quão agrária é a tua reforma
Quão fanfarrão é Vossa Excelência
Quão lindas são tuas morenas
Quão nova é tua bossa
Quão popular é tua música
Quão simplório é teu artista
Quão diversas são tuas culturas
Quão impecável é o teu passado
Quão obscuro é o teu futuro
Quão fiel eu sou a minha pátria
Quão independente é minha pátria
Quão minha é minha pátria.
Cálice
Irás me ver cantar
Enquanto estiveres chegando
Até teu mau-humor calar-me
E toda cantoria fazer desabar
A sublime sensação de tocar os céus
Irás me ver calar
Enquanto roubas o verbo
Até não te restares mais saliva
E por quaisquer motivos tolos
Pairar a desconfiança no ar
Irás me ver chorar
Enquanto me tratas com indiferença
Até não me restar algum sentimento
E calarás meu soluço
Minhas ultimas lágrimas na cama
Irás me ver sorrir
Enquanto bebe todo o vinho
Até o veneno em ultimo gole
E após um grunhido, o silêncio
Restará apenas o seu cálice no chão.