Desejo Carnal
"Ah, sim. Um verdadeiro escândalo. (...) Um alvo perfeito para quem a odiasse. As senhoras não somente lhe virariam a cara, como o corpo inteiro. 'Bom dia' não lhe diriam mais os senhores, e a 'boa noite' seria com os livros de Shakespeare de vez".
"Flutuar além da cidade, daquele povoado e do mar... E ia ser agora. O encontro com a coisa que ela sentia ultrapassar em pensamento".
"Ela então parou. E enxergou-se pela primeira vez. Imprevisível, porém natural (...). E soube-se: desde sempre aquele sentimento se apresentava forte e insistente".
"Era de manhã. Não havia maldade. O sol tilintava. A brisa assoprava. Os pássaros cantavam. A água corria por entre as fontes e a nascente brilhava. Fixou-se em seus olhos. Como se nada acontecesse, como o vento, ou mesmo a brisa, como uma serpente, uma víbora, um pecado, um sinistro movimento, sobre as trevas do medo e do inconsciente, sob as luzes da vida, num acorde de instrumento... Lá estava. Um filete – marulhando. A tentação lhe invadindo... Sol após sol. Quando a lua surgia, encontravam-se de novo, desastrosamente, no quarto".
"Como lhe amava a caligrafia... Ainda mais aquela flor! A primeira, dos incontáveis ramalhetes que viriam, sentiu. Tão jeitosa. Gostaria de tê-la nos braços; protegê-la, dar-lhe todo o seu amor. Mas somente amor? Não. Dar-lhe-ia o seu ensinamento".
" 'Doenças têm sua causa no mal. Por que a síndrome que me acomete fez-me arriscar a própria vida para salvá-la? Se fosse o mal a base dos meus atos, poderia eu a amar tanto?...'. Contudo Felícia jamais tentaria a morte, se não tivesse sido adoentada simbolicamente".
"Somos uma vaga minoria que não se dá conta do que é, ou que jamais fora. Estamos pulverizados no meio de tantos que se calam, a fim de nos calarmos também e nos sentirmos satisfeitos de não sermos notados. Porque, além da própria tez, vestimos outras peles: a membrana da mentira, da hipocrisia, da ignorância e do medo. Reprimidos, ridicularizados, obrigados a uma espécie de vida cheia de artifícios... O homem é o centro, e a mulher nada é. Mas se esquecem: de que sem este ‘nada que é’, não existiria o todo que não é. O homem que é produto de nós, mães. Os homens que, como nós, mulheres, não são ‘nada’ afinal".
"Sim, livres. Pois todos possuem certo grau de amadurecimento para realizar escolhas. Mas qual a melhor decisão? E como mesmo se escolheram? Não havia resposta. O espaço-tempo é infinito, indefinido... O sabor da vida é mais que íntimo, independe da vontade. Essa dá as cartas, indica a direção... 'E o que nos levou à reciprocidade? Como a tentação adivinhou o desejo? O que nos diferencia dos animais é a capacidade que possuímos de sermos livres e dizermos não ao que não queremos e sim ao nosso coração, o que os outros não compreendem' ".
"A causa do gênero está acima de tudo. Convenceremos a todos desse fato. Nosso princípio consiste em dar apoio a todas que se manifestem".
"Uma imagem luminosa surgia nos céus: papéis e mais papéis saindo das nuvens, pousando como silfos sobre o solo do Brasil... Eram as 'borboletas de Lutz', prometendo a revelação da esperança por uma transformação justa e progressiva das mentes petrificadas".
"Há muito se tivera os olhos fechados para a edificação do mundo novo. O 'velho' deveria se adequar às novas tendências que visavam à soberania da igualdade. Assim continuou a intensa campanha nacional pelo sufrágio. Uma longa luta, iniciada antes mesmo da Proclamação da República".
"Mediante novas luzes projetadas pela política getulista, devemos abrir o ensejo para comemorar a retirada dos primeiros entraves do exercício da cidadania da mulher no Brasil".
"Assim, por entre as rochas, onde a brisa assopra com vigor, uma mulher mergulhou nas próprias torpezas. E uma longa noite se deu, permitindo-lhe o alvorecer da consciência".
"É de sorte do ser humano existir em meio a tanta dor; ainda que não compreenda o próprio amor e a sua razão, no tempo".
"Em ti, meu barco navega lentamente. Tenho o leme nas mãos e uma tripulação a guiar. Um bando de pássaros... Sem bússola nem mapa. Não me prendo a nada, nem ao vento que me indica a direção. Não me prendo ao azul, nem ao negrume das águas... É profundo o meu ser, no silêncio das vagas. Não se alcança chão, pois me encontro sobre as fossas. Como é fundo o meu ser, inacessível a mentes pequenas e perigosas...".