Depoimento para Mim Mesmo
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
Tenho de proclamar a minha incredulidade. Para mim não há nada de mais elevado que a ideia da inexistência de Deus. O homem inventou Deus para poder viver sem se matar.
Entre muitas outras coisas, tu eras para mim uma janela através da qual podia ver as ruas. Sozinho não o podia fazer.
Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjetividade.
Por mim, creio que estamos mortos há muito tempo: morremos no exato momento em que deixamos de ser úteis.
Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.
Dentro de mim há dois cachorros: um deles é cruel e mau; o outro é muito bom. Os dois estão sempre brigando. O que ganha a briga é aquele que eu alimento mais frequentemente.
Que a inspiração chegue não depende de mim. A única coisa que posso fazer é garantir que ela me encontre trabalhando.
Odeio o privilégio e o monopólio. Para mim, tudo o que não pode ser dividido com as multidões é tabu.
Sabemos tão pouco do que estamos a fazer neste mundo, que eu me pergunto a mim próprio se a própria dúvida não está em dúvida.
O estudo foi para mim o remédio soberano contra os desgostos da vida, não havendo nenhum desgosto de que uma hora de leitura me não tenha consolado.