Depoimento de agradecimento
E aí aconteceu uma coisa muito engraçada. As crianças não tinham ouvido falar de Aslam, mas no momento em que o castor pronunciou o nome esse nome, todos se sentiram diferentes. Talvez isso já tenha acontecido a você em sonho, quando alguém lhe diz qualquer coisa que você não entende mas que, no sonho, parece ter um profundo significado – o qual pode transformar o sonho em pesadelo ou em algo maravilhoso, tão maravilhoso que você gostaria de sonhar sempre o mesmo sonho.
O camponês perguntou:
Que aconteceu,
irmão, por que estás chorando?
O Irmão respondeu:
Meu irmão,
o meu Senhor está na Cruz
e me perguntas por que choras?
Quisera ser neste momento
o maior oceano da terra,
para ter tudo isso de lágrimas.
Quisera que se abrissem
ao mesmo tempo todas
as comportas do mundo
e se soltassem
as cataratas
e os dilúvios
para me emprestarem
mais lágrimas.
Mas ainda que juntemos
todos os rios e mares,
não haverá lágrimas
suficientes para chorar
a dor e o amor
de meu Senhor crucificado.
Quisera ter as asas invencíveis
de uma águia para atravessar
as cordilheiras e gritar
sobre as cidades:
O Amor não é amado!
O Amor não é amado!
Como é que os homens podem amar
uns aos outros se não amam o Amor?
Posso te conquistar com minhas palavras, mais jamais irei iludir uma mulher sem ter a intenção de amá-la !
Esperar pelo tempo das coisas é um aprendizado necessário. O rio tem o seu remanso. Quando apressado ele faz desastres!
Às vezes me pergunto se existe algo de errado comigo. Talvez eu gaste tempo demais na companhia de meus heróis românticos literários, e conseqüentemente meus ideais e expectativas são extremamente altos.
SONETO DE CONTRIÇÃO
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
Soneto do Amor ao Próximo
Hoje eu olharei as pessoas simplesmente como pessoas
sem nenhum julgamento ou opinião
que me faça rotular
quem são as más, quem são as boas,
e me leve a agir com base nessa tola conclusão.
Hoje eu olharei as pessoas simplesmente
como espelhos onde eu vejo refletidas
minhas fraquezas e virtudes de tal forma
que as minhas críticas e conselhos sirvam
antes para que eu próprio mude minhas atitudes.
Hoje eu olharei as pessoas com aceitação total
sem formalismos solenes ou distância social
sem condenar seus defeitos
ou zombar de suas limitações;
mas respeitando seus direitos, crenças e aspirações
acolhendo o que cada um é,
do jeito que cada um for
hoje eu olharei as pessoas simplesmente com amor.
O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.
De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.
Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.
A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.
A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.
A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.
A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.
O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.
Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.
Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.
Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.
A mulher madura está pronta para algo definitivo.
Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.
A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.
Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.
Nárnia, Nárnia, desperte! Ame!
Pense! Fale! Que as árvores caminhem!
Que os animais falem! Que as águas sejam divinas!
Egoísmo
Sinto falta de você.
Mas o que sinto falta é de tudo o que é seu e me falta.
Sinto falta de minhas faltas que em você não faltam.
Sinto falta do que eu gostaria de ser e que você já é.
Estranho jeito de carecer, de parecer amor.
Hoje, neste ímpeto de honestidade que me faz dizer,
Eu descobri minhas carências inconfessáveis que insisto em manter veladas.
Acessei o baú de minhas razões inconscientes
E descobri um motivo para não continuar mentindo.
Hoje eu quero lhe confessar o meu não amor, mesmo que pareça ser.
Eu não tenho o direito de adentrar o seu território
Com o objetivo de lhe roubar a escritura.
Amor só vale a pena se for para ampliar o que já temos.
Você era melhor antes de mim, e só agora posso ver.
Nessa vida de fachadas tão atraentes e fascinantes;
nestes tempos de retirados e retirantes, sequestrados e sequestradores,
A gente corre o risco de não saber exatamente quem somos.
Mas o tempo de saber já chegou.
Não quero mais conviver com meu lado obscuro,
E, por isso, ouso direcionar meus braços
Na direção da dose de honestidade que hoje me cabe.
Hoje quero lhe confessar meu egoísmo.
Quem sabe assim eu possa ainda que por um instante amar você de verdade.
Perdoe-me se meu amor chegou tarde demais,
Se meu querer bem é inoportuno e em hora errada.
É que hoje eu quero lhe confessar meu desatino,
Meu segredo tão desconcertante:
Ao dizer que sinto falta de você
Eu sinto falta é de mim mesmo.
Algumas pessoas acreditam em destino, outras acreditam em coincidência, e os vencedores acreditam em si mesmo!
Reflita...
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