Dedicatória para Namorado
O nosso espírito tem uma irresistível tendência para considerar como mais clara a ideia que mais frequentemente lhe serve.
A busca da solidão é uma tendência do nosso tempo; antes, e desde o seu aparecimento sobre a terra, o homem buscou apenas não ficar sozinho.
É uma grande infelicidade perder por causa do nosso caráter os direitos que os nossos talentos nos concedem na sociedade.
O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos - é não termos já mesmo perguntas.
O fracasso deveria ser nosso professor, não nosso coveiro. Fracasso é adiamento, não derrota. É um desvio temporário, não um beco sem saída. Fracasso é algo que nós só podemos evitar não dizendo nada, não fazendo nada, e não sendo nada.
Nunca devemos regozijar-nos com o nosso dia antes de havermos posto a touca de dormir.
É uma deformação da solidão extrema o acabar por nos fazer crer na imaginação que o nosso monólogo íntimo possa ser percebido ao longe sem palavras.
Sempre imaginamos que o trabalho do outro é mais fácil que o nosso. Quanto melhor ele faz, mais fácil parece.
Reconhecimento à loucura
Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exatamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-Ihe, e ganhar-Ihe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.