Crônicas de Rubem Alves

Cerca de 131 cronicas Crônicas de Rubem Alves

O que realmente importa:
A vida não é uma sonata que, para realizar a sua beleza, tem de ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de minissonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade. Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira. Tenho terror de ser enganado. Se estiver para morrer, que me digam. Se me disserem que ainda me restam dez anos, continuarei a ser tolo, mosca agitada na teia das medíocres, mesquinhas rotinas do cotidiano. Mas se só me restam seis meses, então tudo se torna repentinamente puro e luminoso. Os não essenciais se despregam do corpo, como escamas inúteis. A Morte me informa sobre o que realmente importa.
(Do universo à jabuticaba)

Inserida por EmOutrasPalavras

A Morte a única conselheira que temos:
"Odeio a ideia de morte repentina, embora todos achem que é a melhor. Discordo. Tremo ao pensar que o jaguar negro possa estar à espreita na próxima esquina. Não quero que seja súbita. Quero tempo para escrever o meu haicai. O último haicai é isto: o esforço supremo para dizer a beleza simples da vida que se vai. Como dizia o bruxo D. Juan ao seu aprendiz: “A morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você sentir que tudo vai de mal a pior e que você está a ponto de ser aniquilado, volte-se para a sua Morte e pergunte-lhe se isso é verdade. Sua Morte lhe dirá que você está errado. Nada realmente importa fora do seu toque... Sua Morte o encarará e lhe dirá: ‘Ainda não o toquei’”. E o feiticeiro concluiu: “Um de nós tem de mudar, e rápido. Um de nós tem de aprender que a Morte é caçadora, e está sempre à nossa esquerda. Um de nós tem de aceitar o conselho da Morte e abandonar a maldita mesquinharia que acompanha os homens que vivem suas vidas como se a Morte não os fosse tocar nunca”.

Inserida por EmOutrasPalavras

A ideia de que o corpo carrega duas caixas – uma caixa de ferramentas, na mão direita, e uma caixa de brinquedos, na mão esquerda – me apareceu quando me dedicava a entender santo Agostinho. Pois ele, resumindo o seu pensamento, disse que todas as coisas que existem se dividem em duas ordens distintas. A ordem do uti (ele escrevia em latim) e a ordem do frui. Uti, “o que é útil, utilizável, utensílio”. Usar uma coisa é utilizá-la para se obter uma outra coisa. Frui, “fruir, usufruir, desfrutar, amar uma coisa por causa dela mesma”. A ordem do uti é o lugar do poder. Todos os utensílios, ferramentas, são inventados para aumentar o poder do corpo. A ordem do frui, ao contrário, é a ordem do amor – coisas que não são utilizadas, que não são ferramentas, que não servem para nada. Elas não são úteis; são inúteis. Porque não são para ser usadas, mas para ser gozadas. A tradição cristã tem medo das coisas que são guardadas na caixa dos brinquedos. Nessa caixa se guarda a origem do pecado: o prazer…
(Do universo à jabuticaba)

Inserida por Filigranas

Pato selvagem:

Era uma vez um bando de patos selvagens que voava nas alturas. Lá de cima se via muito longe, campos verdes, lagos azuis, montanhas misteriosas e os pores de sol eram maravilhosos. Mas voar nas alturas era cansativo. Ao final do dia os patos estavam exaustos.
Aconteceu que um dos patos, quando voava nas alturas, olhou para baixo e viu um pequeno sítio, casinha com chaminé, vacas, cavalos, galinhas… e um bando de patos deitados debaixo de uma árvore.
Como pareciam felizes! Não precisavam trabalhar. Havia milho em abundância.
O pato selvagem, cansado, teve inveja deles. Disse adeus aos companheiros, baixou seu voo e juntou-se aos patos domésticos.
Ah! Como era boa a vida, sem precisar fazer força. Ele gostou, fez amizades. O tempo passou. Primavera, verão, outono, inverno…
Chegou de novo o tempo da migração dos patos selvagens. E eles passavam grasnando, nas alturas…
De repente o pato que fora selvagem começou a sentir uma dor no seu coração, uma saudade daquele mundo selvagem e belo, as coisas que ele via e não via mais: os campos, os lagos, as montanhas, os pores de sol. Aqui em baixo a vida era fácil, mas os horizontes eram tão curtos! Só se via perto!
E a dor foi crescendo no seu peito até que não aguentou mais. Resolveu voltar a juntar-se aos patos selvagens. Abriu suas asas, bateu-as com força, como nos velhos tempos. Ele queria voar! Mas caiu e quase quebrou o pescoço. Estava pesado demais para o voo. Havia engordado com a boa vida… E assim passou o resto de sua vida, gordo e pesado, olhando para os céus, com nostalgia das alturas…
(Ostra feliz não faz pérola)

Inserida por PensandoComOCoracao

O ato de falar é um ato masculino. Fala é falus: algo que sai, se alonga e procura um orifício onde entrar, o ouvido… Já o ato de ouvir é feminino: o ouvido é um vazio que se permite ser penetrado. Não me entenda mal. Não disse que fala é coisa de homem e ouvir é coisa de mulher.
Todos nós somos masculinos e femininos ao mesmo tempo.

Inserida por OswaldoWendell

Dessa forma, o Reino de Deus é um grande projeto utópico, e a religião é o grito da
criatura oprimida que não aceita o mundo como ele é, que quer fazer com que o reino de Deus se
faça presente na terra. Nesse sentido, a religião não mais corresponde à busca de um ser
transcendente, mas a uma ação efetiva, buscando alcançar um mundo que faça sentido para o
homem.

Inserida por gabisms02

⁠Muitas vezes, confundimos amor com dependência. Sentimos erroneamente que se nossos filhos voarem livres não nos amarão mais. Criamos situações desnecessárias para mostrar o quanto somos imprescindíveis. Fazemos questão de apontar alguma situação que demande um conselho ou uma orientação nossa, porque no fundo o que precisamos é sentir que ainda somos amados.

Muitas vezes confundimos amor com segurança. Por excesso de zelo ou proteção cortamos as asas de nossos filhos. Impedimos que eles busquem respostas próprias e vivam seus sonhos em vez dos nossos. Temos tanta certeza de que sabemos mais do que eles, que o porto seguro vira uma âncora que impede-os de navegar nas ondas de seu próprio destino.

Muitas vezes confundimos amor com apego. Ansiamos por congelar o tempo que tudo transforma. Ficamos grudados no medo de perder, evitando assim o fluxo natural da vida. Respiramos menos, pois não cabem em nosso corpo os ventos da mudança.

Aprendo que o amor nada tem a ver com apego, segurança ou dependência, embora tantas vezes eu me confunda. Não adianta querer que seja diferente: o amor é alado.

Aprendo que a vida é feita de constantes mortes cotidianas, lambuzadas de sabor doce e amargo. Cada fim venta um começo. Cada ponto final abre espaço para uma nova frase.

Aprendo que tudo passa menos o movimento. É nele que podemos pousar nosso descanso e nossa fé, porque ele é eterno.

Aprendo que existe uma criança em mim que, ao ver meus filhos crescidos, se assusta por não saber o que fazer. Mas é muito melhor ser livre do que imprescindível.

Aprendo que é preciso ter coragem para voar e deixar voar.
E não há estrada mais bela do que essa.

Inserida por dhiegobalves

Os flamboyants
A manhã estava linda: céu azul, ventinho fresco. Infelizmente, muitas obrigações me aguardavam. Coisas que eu tinha de fazer. Aí, lembrei-me do menino-filósofo chamado Nietzsche que dizia que ficar em casa estudando, quando tudo é lindo lá fora, é uma evidência de estupidez.

(Trecho extraído de texto do jornal "Correio Popular", de Campinas (SP), Fonte: Projeto Releitura)

Inserida por portalraizes

Houve tempo em que era mais fácil acreditar em Deus. Hoje está mais difícil. Até o Papa, na sua visita ao campo de concentração de Treblinka, fez a pergunta que não deveria ter feito: “Onde estava Deus quando esse horror aconteceu ?

(Trecho extraído da crônica PERGUNTARAM-ME SE ACREDITO EM DEUS… Crônica – Instituto Rubem Alves – Website)

Inserida por portalraizes

“Onde está a minha esperança? Numa multidão de indivíduos, independentemente do seu lugar social ou econômico, que vivem possuídos pelo sonho da vida, da beleza e da bondade. A esperança de Camus estava no mesmo lugar que a minha”.

(Extraído do livro "Pimentas" - de Rubem Alves. Página 136 - Editora Planeta, São Paulo, 2014.)

Inserida por portalraizes

“A imaginação é a artista que transforma o sofrimento em beleza. E beleza torna a dor suportável. Por isso escrevo estórias: para realizar a alquimia de transformar dor em flor. Minhas estórias são as minhas porções mágicas... Não há contraindicações nem é preciso receitas”.

(Trecho em “Se eu pudesse viver minha vida novamente...”. [Organização Raissa Castro Oliveira]. 21ª ed., Campinas/SP: Editora Verus, 2010, p. 147.)

Inserida por portalraizes

"As memórias com vida própria, ao contrário, não ficam quietas dentro de uma caixa. São como pássaros em voo. Vão para onde querem. E podemos chamá-las que elas não vêm. Só vêm quando querem. Moram em nós, mas não nos pertencem”.

(Trecho de "O velho que acordou o menino" [infância]. São Paulo: Planeta do Brasil, 2005, 14.)

Inserida por portalraizes

"Uma lagarta vira borboleta, um velho transforma-se em criança... O tempo completa o seu ciclo, volta aos começos. Assim é o tempo da alma, um carrossel, girando, voltando sempre ao início, o “eterno retorno”. T. S. Eliot estava certo quando disse que “o fim de todas as nossas explorações será chegar ao lugar de onde partimos e o conhecer, então, pela primeira vez”.

(em “O retorno e terno”. 8ª ed., Campinas/SP: Papirus-Speculum, 1996, p. 158.)

Inserida por portalraizes

“O corpo é o lugar fantástico onde mora, adormecido, um universo inteiro. [...] Tudo adormecido”... O que vai acordar é aquilo que a Palavra vai chamar. As Palavras são entidades mágicas, potências feiticeiras, poderes bruxos que despertam os mundos que jazem dentro dos nossos corpos, num estado de hibernação, como sonhos. Nossos corpos são feitos de palavras”...

( na crônica 'Lagartas e borboletas', do livro "A alegria de ensinar". São Paulo: Ars Poética, 1994, p. 52.)

Inserida por portalraizes

A vida não é uma sonata que, para realizar a sua beleza, tem de ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de minissonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à
Eternidade”.

(Trecho do livro em PDF: do universo à jabuticaba)

Inserida por portalraizes

“As crianças sabem que a vida é marcada por perdas. As pessoas morrem, partem. Partindo, devem sentir saudades — porque a vida é tão boa! Por isso, o que nos resta fazer é abraçar o que amamos enquanto a bolha não estoura”.

(extraído do jornal "Correio Popular", de Campinas (SP))

Inserida por portalraizes

“A “história” nos abre o mundo das coisas acontecidas no passado. Mas as “estórias” nos levam para o mundo das coisas que nunca aconteceram e só existem na imaginação”.

( em “Se eu pudesse viver minha vida novamente...”. [Organização Raissa Castro Oliveira]. 21ª ed., Campinas/SP: Editora Verus, 2010, 142.)

Inserida por portalraizes

"Uma criança dormindo pede que sejamos apenas olhos, qualquer passo, qualquer palavra, qualquer toque poderá acordá-la. Mas o sorriso dos olhos é silencioso, deixa a cena intocada. Sim, as mãos tocam o rosto... Mas como são diferentes as mãos ternas das mãos que desejam a posse. A ternura não deseja nada. Ela só quer contemplar a cena".
(Em Sobre o tempo e a Eternidade)

Inserida por portalraizes

PARAÍSO

O brinquedo e a arte são as únicas atividades permitidas no Paraíso. O poeta, o artista, a criança: esses são os seres paradisíacos. No Paraíso não existe trabalho. Existe apenas brinquedo e arte. Recuperar a sapientia é lembrar-se da “filosofia” sem palavras que morava no corpo da criança.

(livro "do universo à jabuticaba")

Inserida por portalraizes

Há propriedades que, para se fazerem sentir e valer dependem exclusivamente
de si mesmas, Por- exemplo, antes que os homens existissem já brilhavam as
estrelas, o sol aquecia, a chuva caia e as plantas e bichos enchiam o mundo. Tudo
isto existiria e seria eficaz sem que o homem jamais existido, jamais pronunciado
uma palavra, jamais feito um gesto. E é provável que que continuaram, mesmo
depois do nosso desaparecimento. Trata-se de realidades naturais, independente do
desejo, da vontade, da atividade prática dos homens.

Inserida por gabisms02