Crônicas de Machado de Assis
Minha solidão tomou proporções enormes. Nunca os dias foram mais compridos, nunca o sol abrasou a terra com uma obstinação mais cansativa. As horas batiam de século a século, no velho relógio da sala, cuja pêndula, tic-tac, tic-tac, feria-me a alma interior, como um piparote contínuo da eternidade.
Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo.
Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfa!
O desdém não se revelava por nenhuma expressão exterior; era a ruga sardônica do coração. Por fora, havia só a máscara imóvel, o gesto lento e as atitudes tranqüilas. Alguns poderiam temê-lo, outros detestá-lo, sem que merecesse execração nem temor. Era inofensivo por temperamento e por cálculo. Como um célebre eclesiástico, tinha para si que uma onça de paz vale mais que uma libra de vitória.
Quem conhece o solo e o subsolo da vida, sabe muito bem que um trecho de muro, um banco, um tapete, um guarda-chuva, são ricos de ideias ou de sentimentos, quando nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as coisas compõem um dos mais interessantes fenômenos da terra.
Quanto às minhas opiniões públicas, tenho duas, uma impossível, outra realizada. A impossível é a republica de Platão. A realizada é o sistema representativo. É sobretudo como brasileiro que me agrada esta última opinião, e eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano, porque esse dia seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais iluminou.
Ao vencedor, as batatas! Machado de Assis
Quincas Borba (1891).
76 A loucura é uma ilha perdida no oceano da razão. Machado de Assis
Nota: Frase adaptada de um trecho do conto "O Alienista" (1882). O trecho original é: A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão.
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251 Quando ela fala
Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.
Meu coração dolorido
As suas mágoas exala,
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.
Pudesse eu eternamente,
Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.
Minh'alma, já semimorta,
Conseguira ao céu alçá-la
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala. Machado de Assis
Falenas. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1870.
250 Não precisa correr tanto, o que tiver de ser seu às mãos lhe há de vir. Machado de Assis
Dom Casmurro (1899).
488
O tempo é pouco para o muito que espero... Machado de Assis
Nota: Autoria não confirmada.
65 Tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode bordar nada. Nada em cima de invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro. Machado de Assis
Esaú e Jacó (1904).
142 Não se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei que, para titilar-lhe os nervos da fantasia, devia padecer um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico. A realidade pura é que eu almocei, como nos demais dias... Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typografia. Nacional, 1881.
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33 Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, a força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados. Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1881.
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64 Círculo Vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
– "Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
– "Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna á gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!"
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
– "Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
– "Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?" Machado de Assis
Ocidentais (1901).
301 A primeira glória é a reparação dos erros.
(Ressurreição, 1872)
As ocasiões fazem as revoluções.
(Esaú e Jacó, 1904)
Não se perde nada em parecer mau; ganha-se tanto como em sê-lo.
(Memorial de Aires, 1908)
Também a dor tem suas hipocrisias.
(Helena, 1876)
O medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito, desfaz-se; basta a simples reflexão.
(Helena, 1876)
Dormir é um modo interino de morrer.
(Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881)
O tempo é um rato roedor das coisas, que as diminui ou altera no sentido de lhes dar outro aspecto.
(Esaú e Jacó, 1904)
Matamos o tempo - o tempo nos enterra.
(Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881)
Amor repelido é amor multiplicado.
(Miss Dollar, 1869)
De todas as coisas humanas, a única que tem o seu fim em si mesma é a arte.
(A Semana. In: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 29 set. 1895)
O destino, como os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho.
(Dom Casmurro, 1899)
Não se ama duas vezes a mesma mulher.
(Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881)
A vaidade é um princípio de corrupção.
(Dom Casmurro, 1899)
Não há alegria pública que valha uma boa alegria particular.
(Memorial de Aires, 1908)
Suporta-se com paciência a cólica dos outros.
(Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881)
A fortuna troca às vezes os cálculos da natureza.
(Iaiá Garcia, 1878) Machado de Assis
106 Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typografia. Nacional, 1881.
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140 O coração humano é a região do inesperado. Machado de Assis
Iaiá Garcia (1878).
103 Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar... Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typografia. Nacional, 1881.
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205 Trata de saborear a vida; e fica sabendo, que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la. Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typografia. Nacional, 1881.
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318 Creiam-me, o menos mal é recordar; ninguém se fie da felicidade presente; há nela uma gota da baba de Caim. Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typografia. Nacional, 1881.
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44 Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes. Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1881.
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71 Livros e flores
Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor? Machado de Assis
Falenas. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1870.
862 A uma senhora que me pediu versos
Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.
Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.
Uma só das horas tuas
Vale um mês
Das almas já ressequidas.
Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas. Machado de Assis
Poesias completas (1938).
164 No alto
O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.
Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.
Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,
Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro lhe deu a mão. Machado de Assis
Ocidentais (1880).
64 Relíquia íntima
Ilustríssimo, caro e velho amigo,
Saberás que, por um motivo urgente,
Na quinta-feira, nove do corrente,
Preciso muito de falar contigo.
E aproveitando o portador te digo,
Que nessa ocasião terás presente,
A esperada gravura de patente
Em que o Dante regressa do Inimigo.
Manda-me pois dizer pelo bombeiro
Se às três e meia te acharás postado
Junto à porta do Garnier livreiro:
Senão, escolhe outro lugar azado;
Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
E continua a crer no teu Machado. Machado de Assis
Obra Completa, vol. III. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.
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74 Os dois horizontes
Dois horizontes fecham nossa vida:
Um horizonte, – a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, – a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, – sempre escuro, –
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, – tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dois horizontes fecham nossa vida. Machado de Assis
Crisálidas (1864).
147 Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Machado de Assis
Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).
54 Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas. Machado de Assis
Quincas Borba (1891).
31 A amizade é como um círculo e como um círculo não tem começo nem fim. Machado de Assis
Nota: Autoria não confirmada.
35 A primeira glória é a reparação dos erros. Machado de Assis
Ressurreição (1872).
– [...] Para que queres tu mais alguns instantes de vida? Para devorar e seres devorado depois? Não estás farto do espetáculo e da luta? Conheces de sobejo tudo o que eu te deparei menos torpe ou menos aflitivo: o alvor do dia, a melancolia da tarde, a quietação da noite, os aspectos da Terra, o sono, enfim, o maior benefício das minhas mãos. Que mais queres tu, sublime idiota?
– Viver somente, não te peço mais nada. Quem me pôs no coração este amor da vida, senão tu? e, se eu amo a vida, por que te hás de golpear a ti mesma, matando-me?
– Porque já não preciso de ti. Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. O minuto que vem é forte, jucundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e perece como o outro, mas o tempo subsiste. Egoísmo, dizes tu? Sim, egoísmo, não tenho outra lei. Egoísmo, conservação. A onça mata o novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se o novilho é tenro tanto melhor: eis o estatuto universal. Sobe e olha.
Cada século trazia a sua porção de sombra e de luz, de apatia e de combate, de verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de ideias novas, de novas ilusões; cada um deles rebentavam as verduras de uma primavera, e amareleciam depois, para remoçar mais tarde. Ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a civilização, e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se, construía o tugúrio e o palácio, a rude aldeia e Tebas de cem portas, criava a ciência, que perscruta, e a arte que enleva, fazia-se orador, mecânico, filósofo, corria a face do globo, descia ao
ventre da Terra, subia à esfera das nuvens, colaborando assim na obra misteriosa, com que entretinha a necessidade da vida e a melancolia do desamparo.
Pergunta-me por que é que uma moça, casada de fresco, pode ter aborrecimentos? Quem lhe disse que eu tinha aborrecimentos? Escrevi que estava aborrecida, é verdade; mas então a gente não pode um momento ou outro deixar de estar alegre?
É verdade que esses momentos meus são compridos, muito compridos. Agora mesmo, se lhe dissesse o que se passa em mim, ficaria admirada. Mas enfim Deus é grande...
Hinho Nacional Brazileiro
Enche o peito brasileiro
Doce luz, almo fervor,
Ante o dia abençoado
Do seu grande Imperador
Das florestas em que habito
Solto um canto varonil:
Em honra e glória de Pedro
O gigante do Brazil.
Em firme trono sentado
O colosso Imperial
Tem por base de grandeza
O coração nacional.
Das florestas em que habito
Solto um canto varonil:
Em honra e glória de Pedro
O gigante do Brazil.
Correm anos, e este dia
Surge na terra da Cruz:
Abre-se a alma do povo
Jorra do Céu nova luz.
Das florestas em que habito
Solto um canto varonil:
Em honra e glória de Pedro
O gigante do Brazil.
Menina e Moça
Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.
Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.
Outras vezes valsando, e* seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.
Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
Olha furtivamente o primo que sorri;
E se corre parece, à brisa enamorada,
Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri
Quando a sala atravessa, é raro que não lance
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.
Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
A cama da boneca ao pé do toucador;
Quando sonha, repete, em santa companhia,
Os livros do colégio e o nome de um doutor.
Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra;
E quando entra num baile, é já dama do tom;
Compensa-lhe a modista os enfados da mestra;
Tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon.
Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo
Para ela é o estudo, excetuando talvez
A lição de sintaxe em que combina o verbo
To love, mas sorrindo ao professor de inglês.
Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
Parece acompanhar uma etérea visão;
Quantas cruzando ao seio o delicado braço
Comprime as pulsações do inquieto coração!
Ah! se nesse momento alucinado, fores
Cair-lhes aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,
Hás de vê-la zombar dos teus tristes amores,
Rir da tua aventura e contá-la à mamã.
É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender:
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!
Quando chegamos ao alto da Tijuca, onde era o nosso ninho de noivos, o céu recolheu a chuva e acendeu as estrelas, não só as já conhecidas, mas ainda as que só serão descobertas daqui a muitos
séculos. Foi grande fineza e não foi única. São Pedro, que tem as chaves do céu, abriu-nos as portas dele, fez-nos entrar, e depois de tocar-nos com o báculo, recitou alguns versículos da sua primeira epístola: "As mulheres sejam sujeitas a seus maridos..."
Pascal é um dos meus avôs espirituais; e, conquanto a minha filosofia valha mais que a dele, não posso negar que era um grande homem. Ora, que diz ele nesta página? [...] Diz que o homem tem “uma grande vantagem sobre o resto do universo: sabe que morre, ao passo que o universo ignora-o absolutamente”. Vês? Logo, o homem que disputa o osso a um cão tem sobre este a grande vantagem de saber que tem fome; e é isto que torna grandiosa a luta, como eu dizia. “Sabe que morre” é uma expressão profunda; creio todavia que é mais profunda a minha expressão: sabe que tem fome. Porquanto o fato da morte limita, por assim dizer, o entendimento humano; a consciência da extinção dura um breve instante e acaba para nunca mais, ao passo que a fome tem a vantagem de voltar, de prolongar o estado consciente.
De um ato do nosso governo só a China poderá tirar lição. Não é desprezo pelo que é nosso, não é desdém pelo meu país. O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco. A sátira de Swift nas suas engenhosas viagens cabe-nos perfeitamente. No que respeita à política nada temos a invejar ao reino de Liliput.
Pela minha parte creio na ciência como uma poesia, mas há exceções, amigo. Sucede, às vezes, que a natureza faz outra coisa, e nem por isso as plantas deixam de crescer e as estrelas de luzir. O que se deve crer sem erro é que Deus é Deus; e se alguma rapariga árabe me estiver lendo, ponha-lhe Alá. Todas as línguas vão dar ao céu.
Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios.
Inclinei os olhos a uma das vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma coisa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos Impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas. Tal era o espetáculo, acerbo e curioso espetáculo. A história do homem e da Terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim,— flagelos e delícias, — desde essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura, — nada menos que a quimera da felicidade, — ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.
Que são minutos e que são meses? Paixões de largos anos, chegando ao casamento, acabam muitas vezes pela separação ou pelo ódio, quando menos pela indiferença. O amor não é mais que um instrumento de escolha; amar é eleger a criatura que há de ser companheira na vida, não é afiançar a perpétua felicidade de duas pessoas, porque essa pode esvair-se ou corrompe-se.
Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Daí vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima os alcança a eles mesmos.