Crônicas de Clarice Lispector
Ouve-me, ouve o silêncio. O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão. Um instante me leva insensivelmente a outro e o tema atemático vai se desenrolando sem plano mas geométrico como as figuras sucessivas em um caleidoscópio.
Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada.
De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde úmido subindo em mim pelas minhas raízes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom – como um estremecimento apenas perceptível de alma – um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saída.
Minha voz é o modo como vou buscar a realidade; a realidade, antes de minha linguagem, existe como um pensamento que não se pensa, mas por fatalidade fui e sou impelida a precisar saber o que o pensamento pensa. A realidade antecede a voz que a procura, mas como a terra antecede a árvore, mas como o mundo antecede o homem, mas como o mar antecede a visão do mar, a vida antecede o amor, a matéria do corpo antecede o corpo, e por sua vez a linguagem um dia terá antecedido a posse do silêncio.
Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro.
A incomunicabilidade de si para si mesmo é o grande vórtice do nada. Se eu não acho um modo de falar a mim mesmo a palavra me sufoca a garganta atravessando-a como uma pedra não deglutida. Eu quero ter acesso a mim mesmo na hora em que eu quiser como quem abre as portas e entra. Não quero ser vítima do acaso libertador. Quero eu mesmo ter a chave do mundo e transpô-lo como quem se transpõe da vida para a morte e da morte para a vida.
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza.
Amor, sobretudo entre homem e mulher, é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor verdadeiro, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece.
Não sei expressar-me por palavras. O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio. Mas não correspondo à altura do desafio. Saem pobres palavras. E qual é mesmo a palavra secreta? Não sei e por que a ouso? Só não sei porque não ouso dizê-la?
Eu aqui morro de saudade de casa e do Brasil. Essa vida de “casada com diplomata” é o primeiro destino que eu tenho. Isso não se chama viajar: viajar é ir e voltar quando se quer, é poder andar. Mas viajar como eu viajarei é ruim: é cumprir pena em vários lugares. As impressões, depois de um ano num lugar terminam matando as primeiras impressões.
Fiquei sozinha um domingo inteiro. Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou. Estava totalmente só. Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir tive umas três vezes um súbito reconhecimento de mim mesma e do mundo que me assombrou e me fez mergulhar em profundezas obscuras de onde saí para uma luz de ouro. Era o encontro do eu com o eu. A solidão é um luxo.
Se eu ficar sozinha demais procurarei o nosso Consulado. Para rever brasileiros e poder de novo usar a nossa difícil língua. Difícil mas fascinante. Sobretudo para se escrever. Asseguro-vos que não é fácil escrever em português: é uma língua pouco trabalhada pelo pensamento e o resultado é pouca maleabilidade para exprimir os delicados estados do ser humano.
E que eu não esqueça, nessa minha fina luta travada, que o mais difícil de se entender é a alegria. Que eu não esqueça que a subida mais escarpada, e mais à mercê dos ventos, é sorrir de alegria. E que por isso e aquilo é que menos tem cabido em mim: a delicadeza infinita da alegria. Pois quando me demoro demais nela e procuro me apoderar de sua levíssima vastidão, lágrimas de cansaço me vêm aos olhos: sou fraca diante da beleza do que existe e do que vai existir. E não consigo, nesse adestramento contínuo, me apoderar do primeiro regozijo da vida.
Uma pergunta que me fez: o que mais me importava – se a maternidade ou a literatura. O modo imediato de saber a resposta foi eu me perguntar: se tivesse que escolher uma delas, que escolheria? A resposta era simples: eu desistiria da literatura. Nem tem dúvida que como mãe sou mais importante do que como escritora.
Sim , você me trouxe a vida realmente ,pois estava vivendo por viver , estava ficando por ficar , não tinha sentimento algum em mim mais , você me trouxe a esperança , me trouxe o mundo e se tornou meu pedacinho de tudo , de tudo que eu gosto de tudo que eu faço de tudo que eu sinto , e até de tudo oque eu penso , mais paro e penso será que com você é assim ? por um minuto queria sabe oque se passa na sua cabeça quando ouve meu nome ..
Se você procura uma leitura prazenteira, leve e serena, que faça o tempo passar ligeiro, e despercebido como uma brisa suave de fim de tarde, recomendo qualquer outro autor mais comedido, ameno e formoso. Eu não escrevo para leitores delimitados pelas letras, nem para olhos subordinados às palavras. Aos sem imaginação – que enxergam somente aquilo que as vistas revelam – creio que cartões postais, fotografias e revistas coloridas, valerão muito mais do que a minha busca visceral para tentar suscitar em palavras tudo àquilo que verdadeiramente sinto.
Existia nela uma razão infinitamente maior do que o reles desejo de ser apreciada. Não escrevia por ideologia, nem para ser julgada pelos punitivos olhares dos críticos literários. Não fazia cobiçando as variadas tentações da fama, nem por algum tipo de vaidade enrustida. Escrevia por urgência, por uma necessidade quase que vital de manter-se lúcida. (Do Livro – O Segredo de Clarice Lispector)
Tudo nesta vida escapa de nossas mãos, a vida é efêmera, os momentos são fugazes. Nada se leva, até mesmos as frases e as palavras já não são mais minhas. Então por que escrever se nem elas me pertencem? Elas ficam aqui de presente, por fim, ao mesmo tempo são eternas. Mas entanto por que não escrever? Se elas surgem, tratarei de escrever!
Todos nós passamos por momentos de aflição. Mas nunca devemos baixar a cabeça diante da dificuldade. Se quer ser alguém tem que correr atrás de seus objetivos. Se você não ir atrás quem vai por ti? ninguém. Na hora que sua vida não ter mais solução, peça a Deus proteção que possa cuidar de seu coração.
Todo dia eu aprendo um pouco mais, e assim vou edificando meu ser. Aprendo com momentos, com situações e pessoas. As vezes vejo que estou errada, e tento me corrigir. É assim que vou vivendo... Também acho se definir é se limitar. E de limites, eu to fora! Portanto:
Sou isso hoje, amanha já me reinventei. Reinvento-me sempre que a vida pede um pouco mais de mim. Mas não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.