Contos de Cora Coralina
Leitura, musicalidade, entrega, reflexões, pensamentos, diálogos saudáveis, amar, ser amado, parar para sentir a água fria de um rio, fazer caminhadas, descansar antes de o corpo começar a gritar por socorro, não guardar mágoas no coração, perdoar quase que de modo divino, buscar o amor ágape. Tudo isso é guardar o coração de qualquer tipo de virtualidades desnecessárias, tempo em que ainda dá tempo de mudar as prioridades nas relações, respirar a beleza da vida.
Com consciência plena de que comida ainda falta em muitas dispensas, sabendo também que não falta solidariedade nas famílias periféricas, vejo, aos montes, gente levando alimentos não perecíveis para as igrejas para que sejam doados para quem não tem. Aos poucos, com muito pouco, uma gotinha em meio ao oceano de dificuldades brota em cada coração. Percebo surgir uma fonte inesgotável de bondade e amor em ajudar o semelhante.
Não nos sobra quase nada quando percebemos nossa vulnerabilidade e fraqueza diante do que antes estava em nossas mãos. Assim é a vida, não temos como saber quanto tempo ainda temos. Mas podemos desenvolver alguma certeza, a de que podemos viver todos os dias como o último e, ao mesmo tempo, o primeiro.
Em qualquer lugar que eu estiver, sentirei vontade de ler um novo livro, contar novas histórias, escrever mais um poema, compor músicas, acreditar que as palavras podem soprar para o mundo novas realidades que nunca fui capaz de criar. O que escrevo pode ajudar as pessoas a ver o mundo com outros olhos.
A partir daquele dia eu quis viver, viver como nunca antes havia vivido, viver sem pressa, sem apego as expectativas, viver do que era possível, do que estava ali agora, o impossível passou a ser entendido como uma semente lançada ao universo capaz de germinar ou de morrer sufocada debaixo da terra, viver com a demora ardente de sempre chegar e a ausência perpétua da pressa de partir, como se a vida fosse eterna enquanto durasse, para quem acha que isso é uma embriaguez de ilusões, não é, é apenas uma dissipação da vida utópica que vivia antes, na vã filosofia de acreditar que sempre fosse merecedor e digno de tudo, vivendo sobrecarregado de nulidades e planos incapazes de se materializarem.