Conquistar Menina que Ja tem Namorado
O homem que sabe ler fala com os ausentes e mantém vivos os que já morreram. Comunica-se com o universo - não conhece o tédio - viaja - ilude-se. Mas quem lê e não sabe escrever é mudo.
Não importa muito com quem te casas, já que na manhã seguinte seguramente descobrirás que se tratava de outra pessoa.
Canção de Primavera
Eu, dar flor, já não dou. Mas vós, ó flores,
Pois que Maio chegou,
Revesti-o de clâmides de cores!
Que eu, dar, flor, já não dou.
Eu, cantar, já não canto. Mas vós, aves,
Acordai desse azul, calado há tanto,
As infinitas naves!
Que eu, cantar, já não canto.
Eu, Invernos e Outonos recalcados
Regelaram meu ser neste arrepio…
Aquece tu, ó sol, jardins e prados!
Que eu, é de mim o frio.
Eu, Maio, já não tenho. Mas tu, Maio,
Vem com tua paixão,
Prostrar a terra em cálido desmaio!
Que eu, ter Maio, já não.
Que eu, dar flor, já não dou; cantar, não canto;
Ter sol, não tenho; e amar…
Mas, se não amo,
Como é que, Maio em flor, te chamo tanto,
E não por mim assim te chamo?
Cheguei demasiado tarde
e já todos se tinham ido embora
restavam paeis velhos, vidas mortas,
identidade, sujidade, eternidade.
Comeram o meu corpo e
beberam o meu sangue; e, pelo caminho, a minha biblioteca;
e escreveram a minha Obra Completa;
sobro, desapossado, eu.
Resta-me ver televisão,
votar, passear o cão
(a cidadania!). Prosa também podia,
e lentidão, mas algo (talvez o coração) desacertaria.
Pôr-me aos tiros na cara como Chamfort?
Dar em aforista ou ainda pior?
Mudar de cidade? Desabitar-me?
Posmodernizar-me? Experienciar-me?
Com que palavras e sem que palavras?
Os substantivos rareiam, os verbos vagueiam
por salões vazios e incendiados
entregando-se a guionistas e aparentados.
Cheira excessivamente a morte por aqui
como no fim de uma batalha cansada
de feridas antigas, e eu sobrevivi
do lado errado e pela razão errada.
“Que dia? Que olhar?”
(Beckett, “Dias felizes”)
Que feridas? Que estanda-
te? Que alheias cicatrizes?
Estou diante de uma porta (de uma forma)
com o – como dizer? – coração
(um sítio sem lugar, uma situação)
cheio de palavras últimas e discórdia.
A verdadeira pergunta é inocente e é por isso mais própria da criança. A resposta perdeu já a inocência e é assim mais própria do adulto.
Quando novas informações surgem e as circunstâncias mudam já não é possível resolver os problemas com as soluções de ontem.
Contemplação
Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imóvel das essências,
Entre ideias e espíritos pairando...
Que é o Mundo ante mim? fumo ondeando,
Visões sem ser, fragmentos de existências...
Uma névoa de enganos e impotências
Sobre vácuo insondável rastejando...
E dentre a névoa e a sombra universais
Só me chega um murmúrio, feito de ais...
É a queixa, o profundíssimo gemido
Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim só pressentindo...